sexta-feira, 30 de março de 2018

No galope do martelo e outros galopes



No galope do martelo e outros galopes

Elmar Carvalho 

Recebi, ontem, através dos Correios, acompanhado de uma carta (que só não é dos moldes antigos, porque é digitada, e não manuscrita ou datilografada), um livro titulado “causos e cousas (o sobejo do verso)”, da autoria do médico João Rolim, o remetente da missiva.

Ao abrir o envelope, me deparei com um livro de versos em estilo de cordel, mas também com alguns sonetos à velha escola, metrificados e rimados. O volume, conquanto singelo, foi bem cuidado, tanto na diagramação, feita por Fabrícia Lopes, como no acabamento gráfico a cargo da Sieart Gráfica e Editora. Até, para me causar suave nostalgia, achei que a tipologia usada guardava certa semelhança às letras das antigas máquinas de escrever, se é que a minha percepção não foi traída por discreto saudosismo. Para acusar o seu recebimento, enviei-lhe, uma ou duas horas depois, o seguinte e-mail:

“Caro Dr. João Rolim,

Acabo de receber seu livro ‘Causos e cousas (o sobejo do verso)’.

Tendo lido vários poemas, posso afirmar que concordo com o amigo Dr. Gisleno, autor da primeira orelha, e com o prefaciador: sem dúvida você é um notável poeta no gênero ou estilo que escolheu.

Noto que você absorveu os recursos dos grandes repentistas e cordelistas.

Tem talento na utilização apropriada das figuras de estilo, inclusive no uso habilidoso de rimas e ritmo.

Como você mesmo bem disse, é profundo em sua simplicidade.

Porém, podendo ser condoreiro, como um Rogaciano Leite e outros mestres da poesia popular.

Também notei sua técnica apurada no acróstico Enluaradas, pois não fez apenas um amontoado de frases, por vezes desconexas, para a formação da palavra que lhe serve de mote, como certos poetas canhestros o fazem.

Também se nota o rigor de sua capacidade rímica, quando glosou "Não há seca que seque o oceano / nem feitiço que acabe o nosso amor" com muita maestria.

Portanto, você é de fato um poeta com P maiúsculo, ou um "poeta completo" como disse o prefaciador, o caro Gisleno, que também lhe admirou o talento em compor belas metáforas.

Parabéns pelo seu belo livro.

Quando for a Parnaíba, terei a satisfação de lhe retribuir com dois livros de minha autoria; um de poemas, Rosa dos ventos gerais, e o meu romance Histórias de Évora, o mais recente.

(...)

Desculpe algum erro, pois não fiz a revisão, pois estou de saída para uma caminhada na Raul Lopes.

Atenciosamente,

Elmar Carvalho”

Quando enviei o e-mail acima transcrito, estava a ler a página 45. Ao prosseguir na leitura e concluí-la, posteriormente, verifiquei a confirmação das qualidades apontadas acima, assim como descobri outros recursos estilísticos usados pelo autor.

Seus temas abordam os mais diversos assuntos, desde a paisagem e os costumes sertanejos, até os amores sensuais e líricos. Os ritmos e a métrica também variam, conforme a proposta do poema, e pude constatar que o autor perpetrou martelos agalopados e simulou pelejas versificadas ou desafios com o necessário rigor.

Para finalizar, informo que deixei os livros prometidos no e-mail num posto de combustível, em frente à casa do endereço indicado, já que no momento não havia ninguém nela, tento o frentista me prometido fazer a entrega, tão logo visse algum dos moradores.

Por último, declaro que fiz uma bela viagem ao ler o livro de João Rolim. Às vezes, como se estivesse em mar encapelado, senti as ondulações de um galope à beira-mar; outras vezes cavalguei árdego alazão, nos sacolejos de um martelo agalopado, e, em outros momentos, como na velha música da bossa-nova, fruí a suavidade de “um barquinho a deslizar”.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Supremo

Fonte: Google


Se o Supremo não puder ou não quiser cumprir sua própria jurisprudência, de caráter geral ou nacional, em virtude de um caso particular ou individual, então, em minha humílima opinião, maxíssima data venia possível e (in)imaginável, o Supremo jamais será Supremo.

MARIA MADALENA

Fonte: Google

MARIA MADALENA 

Valério Chaves 
Escritor, Jornalista e Desembargador inativo do TJPI. 

Na busca da verdade sobre as evidências históricas e literárias ocorridas no mundo antigo, historiadores e biólogos retratam duas personalidades femininas, intrigantes e místicas, ligadas à religiosidade greco-romana existentes na época que antecedeu a crucificação de Jesus Cristo. 

A primeira delas é a romântica Cláudia Prócola - mulher do Procurador Romano na Judeia, Pôncio Pilatos, a qual, apesar de ter representado papel importantíssimo como mediadora do mistério divino nos dias que antecederam o sofrimento e condenação do Cordeiro da Páscoa, ficou quase que completamente esquecida dos evangelistas, pois a Bíblia se refere a ela uma única vez no livro de Mateus (27:19). 

A segunda é a polêmica Maria Madalena - fiel seguidora de Jesus no Calvário, e que era retratada no capítulo 7 do evangelho de Lucas como aquela mulher pecadora que ao entrar chorando na casa de um fariseu, Jesus disse-lhe: "Os teus pecados estão perdoados". 

Porém, a partir de 1969, durante o papado de Paulo VI, essa versão história foi substituída no capítulo 20 do evangelho de João onde uma mulher chama a atenção de todos, não por ser uma suposta prostituta, como declarada na homilia do papa Gregório Magno em 591d.C, mas porque Jesus havia se revelado a ela em primeiro lugar na ressurreição, quando fez-lhe as seguintes perguntas: "Mulher por que Choras? A quem procuras? Maria Madalena, julgando que as perguntas eram de um jardineiro responsável pela guarda dos corpos das vítimas de enforcamento, disse-lhe: " Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei embora". 

Quando o Vaticano, em 1969, deixou de reconhecer Maria Madalena como mulher impura e que a partir de então ela passaria a ser venerada como um discípulo, quis na verdade dizer ao mundo que havia passado 1,4 mil anos sem dar a essa mulher o destaque que merecia como testemunha da ressurreição - acontecimento que moldou o curso da história e da cultura da maior parte do mundo durante muito tempo. 

O pesquisador e biólogo Michael Haag, que escreveu extensivamente sobre os mundos egípcios, clássico e medieval, levanta a seguinte questão: por que e de que maneira Maria Madalena, sendo uma figura maior do que qualquer texto bíblico, a Igreja católica preferiu representá-la como pecadora adúltera, enquanto Maria, mãe de Jesus, foi simbolizada como a Virgem? (in Biografia de mulheres que você precisa conhecer, Ed. Pequena Zahar, 2018). 

Os relatam históricos dão conta de que durante o século primeiro, quando o judaísmo esteve mais ferozmente empenhado na luta para preservar sua identidade contra a influência da cultura helenista, a sociedade que habitava a região na Palestina era uma das mais patriarcais e conservadoras. As mulheres judias estavam restritas às tarefas domésticas e eram legalmente propriedades dos homens. 

O certo é que os destinos dessas duas mulheres, tão diferentes e tão místicas, se cruzaram numa época politicamente efervescente do Império Romano onde a palavra feminina não era levada a sério nos assuntos políticos, familiares e governamentais, mas nem por isso deixaram de ter papel importantíssimo nos dias que antecederam a tragédia do Gólgota. 

A romana Cláudia, por exemplo, embora pertencendo à classe alta das mulheres submissas aos maridos, não hesitou em interceder a favor de Jesus dando conselhos ao marido no sentido de que ele não se envolvesse na morte de um justo chamado "Jesus de Nazaré, rei dos judeus". Tanto que na noite em que Pilatos, depois de lavar as mãos publicamente, ia entregar Jesus à sanha da plebe rude e sanguinária para decidir qual destino deveria ser dado ao prisioneiro, ela, talvez angustiada por pesadelos, teria mandado um recado dizendo: "Não te envolvas na questão desse justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele". 

Em todo caso, não é preciso pesquisar nos evangelhos oficiais da Igreja católica para descobrir que Jesus, em meio às tradições judias do mundo antigo, escolheu uma mulher, Maria Madalena, como depositária de sua mensagem de amor, tão presente no coração da cristandade nesta época da Paixão e Morte do Cordeiro da Páscoa.    

quarta-feira, 28 de março de 2018

A SAGA DE TRÊS VAQUEIROS

Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google

A SAGA DE TRÊS VAQUEIROS

José Itamar Abreu Costa 
Acadêmico da ABRAMES(Academia Brasileira de Médicos Escritores) 
 
Agostinho Marques da Costa, o Dindim para a dezenas de netos e bisnetos, nasceu em 1898, na bucólica fazenda Buriti Só, município de Alto Longá. Os pais, Pedro e Maria Marques, formaram uma numerosa prole: Dedé, Barbosa, Cícero, Mariquinha, Joana, ........ 

Desde tenra idade se dedicou à lida do campo, demonstrando grande interesse e habilidade nas atividades de pega do gado. Ao casar-se com a jovem Ernestina foi cuidar da fazenda Piquizeiro, de propriedade do abastado Senhor Laurindo de Castro, também dono de extensas fazendas situadas no território longaense: Invejada, Pernambuquinho, Garcinha, Fundo do Canto, Santa Ermelinda, dentre outras. 

A fazenda Piquizeiro era cortada pela "Estrada Real Crateús-Teresina" e, sua sede encravada nas proximidades desse caminho, permitia acesso fácil e abrigo seguro aos muitos viajantes que por ali trafegavam. Tais características possibilitaram à localidade tornar-se cenários de acontecimentos históricos e pitorescos, que marcavam a vida pacata dos moradores em seu entorno. Um desses aconteceu em 1932, em meio a descontentamentos de parte da população teresinense que, insatisfeita com a administração pública local uniu-se, sob a liderança de Cabo Anselmo, com o objetivo de destituir do cargo o Governador Landri Sales. Na busca de solução para o conflito, as tropas do exército cearense foram convocadas. Caminho natural para o deslocamento das tropas, Piquizeiro se tornou o centro das atrações na época, visto que dentre os militares do exército cearense, estava Luis Gonzaga, o rei do baião, que naquela missão ocupava na cavalaria o cargo de cabo corneteiro. 

Chegaram no Piquizeiro ao entardecer, solicitaram arrancho e, prontamente, foram atendidos. Ernestina, convocou as mulheres dos vaqueiros para preparar o jantar, enquanto os viajantes descansavam da longa caminhada. Após o banho e acomodação dos animais nos brejos da fazenda, a tropa se dirigia à mesa do jantar, quando o Bicudo (como também era chamado Luis Gonzaga) avistou uma sanfoninha de oito baixos, perguntou: "quem toca Sanfona nesta casa?" Dindim respondeu: "tocar, talvez não; agora arranhar eu arranho!". Após o jantar os dois se postaram à porta da fazenda e passaram a se revesar, tocando melodias sertanejas, que fizeram daquele encontro acontecimento jamais esquecido daquela gente simples do Piquizeiro. Dindim não se cansava de contar a proeza de ter arranhado sua sanfoninha em companhia do Rei do Baião. No meu caso, sabendo de minhas andanças na cidade grande, Teresina, sempre que me encontrava perguntava pelo "Nigritin" que com ele tocara a sanfoninha. 

.... 



De outra sorte, conta-se que o seu patrão, Senhor Laurindo de Castro, comprou um gado da Holanda, trazidos ao Brasil em grandes navios comerciais e desembarcados no nosso litoral, Parnaíba. O patrão recomendou-lhe cuidados redobrados com aquele gado. 

No ano seguinte o patrão chegou de surpresa na fazenda. Ainda no pátio, foi logo gritando: "Agostinho, como está sendo tratado o meu gado de raça?". Dindim respondeu deu na bucha: "melhor do que meus filhos". Quando Laurindo desceu da montaria e avistou uma novilha amarrada em um mourão, tronco de madeira fincada nas fazendas para amarrar o gado, gritou com o vaqueiro-administrador, usando palavras de baixo calão. O pior é que foi na frente dos seus filhos, todos ainda bem pequenos. 

Dindim nada reclamou, procurou acomodar o patrão da melhor maneira possível. Ao deixar os animais no rodeio, pegou o seu cavalo possante e foi até o Buriti Só avisar o seu pai, Pedro Marques, sobre o acontecido. O pai ao vê-lo percebeu logo que havia algo errado: "o que aconteceu, meu filho?". Dindim respondeu: "Pai, vim lhe avisar que vou matar o meu patrão". Pedro Marques, imediatamente pegou o seu berrante, soprou e soltou foguetes com a finalidade de avisar ao seu compadre e fiel amigo Petrus de Area Leão, o qual ao perceber os sinais emitidos pelo amigo, já sabia do encontro na encruzilhada. O filho recebeu o conforto da mãe e ficou esperando pela volta do pai , que foi imediatamente encontrar com Petrus e iriam para o Pequizeiro conversar com o patrão. Quando chegaram eram muito clamor, choro da Dindinha e das crianças e o lamento do já dócil preocupado patrão. Em resumo: Pedro avisou ao dono da fazenda que seu filho já não era mais o vaqueiro-encarregado. 

Dindim voltou a trabalhar nas propriedades de Laurindo quando as mesmas foram entregue ao único herdeiro Dr Franklin de Castro Lima Filho. 

Dindim criou uma prole muito grande e educou todos no caminho do bem. Morou muito anos na aprazível fazenda Garcinha, que fica na estrada ligando Alto Longá a Pedra Branca, e esta a Beneditinos. 



ODE AO DINDIM 


"Um dia em Alto Longá, 

Dindim tentou entrar, 

Armado de uma peixeira, 

Que o delegado tentou tomar. 

O velho embrabeceu 

Foi um quibrocó danado. 

Foi preciso o Prefeito Cabral 

Acalmar o valente e o delegado.I 

Passado a confusão, Dindim, 

Tentou explicar: o motivo da, 

Tal arma. Era para espantar 

O guaxinim que o atacava 

Na passagem do Canabrava. 

II 

"Tocou sanfona com o Gonzaga. 

Pegou boi com seu Noé . 

Amarrou o Cícero Luiza, 

Na forquilha da cumieira 

Da fazenda Ladino do Azarias 

No bonito casamento 

Da Rosilda e Raimundo Tiago 

Armado de uma peixeira, 

Não deixava nada em pé, 

Botava pra correr do pátio 

homem, menino e mulher 

III 

"Nas moagens do Bonsucesso, 

Todos já sabiam, preparavam. 

As melhores parelhas de bois que havia, 

Seu Agostinho vai trabalhar 

Não ter noite, não ter dia 

O velho era uma fera.,De todos 

Os que aii trabalhavam, 

Era o que mais produzia" 



O SEGUNDO VAQUEIRO: 

José Marques da Costa, nasceu em 02 de fevereiro de 1932, na bucólica fazenda Pequizeiro, município de Alto Longá. Gêmeo com Manuel Marques da Costa, cresceu observando seu pai na lida do gado. Resolveram colocá-lo para morar e estudar em Teresina, onde residiu no bairro Barrocão, na residência do Senhor Virgínio, pai de Geraldo, Francisco, Paulo Marques dos Santos e da princesa Elizabeth. Estudava com Carlos said no Colégio Diocesano. 

Tinha muita saudade de casa, até que um dia bolou uma maneira de voltar para fazenda Garcinha. Sabendo que o vaqueiro Zé Vitor chegaria na casa dos seus protetores trazendo: queijo, carnes e outras iguarias, Zemarques redigiu uma carta como sendo de autoria do seu pai, Agostinho, destinada ao Senhor Virgínio solicitando o seu retorno porque a Dindinha estava doente precisando de sua companhia. Prometia, ainda, o seu retorno aos estudos tão logo melhorasse o estado de saúde de Ernestina. Esse fato aconteceu em plena Segunda Guerra Mundial. Zemarques, com apenas 15 anos, retornou a casa dos pais, no interior, que os aconselharam a ficar desempenhando as duras atividades da fazenda. 



Nesse ínterim, o Senhor Noé Fortes comprara um gado e precisava contratar quem pegasse aquelas reses bravas. Ao chegar na Garcinha, avistou aquele jovem destemido, em lombo de cavalos possante e logo o contratou. Ao final, todo o gado foi entregue ao fazendeiro, que o pagou e passou a ser o seu protetor. 

Naquele torrão, campeava, namorava com todas as morenas que apareciam, até que ao atravessar o Riacho Gameleira, que separa Alto Longá de Altos (atual Coivaras), em uma festa, encontrou a Francisca, por ela se apaixonou e aos 17 anos casou e aos dezoito já era pai. 

Foi morar em Alto Longá, onde montou uma vacaria, comprou uma quinta (Crioli) e montou uma bem sortida Mercearia/Bodega e tornou-se vereador, mesmo assim não esquecia o campo. Em 195,8 mudou-se de vez para o Bonsucesso e aí começou uma carreira de sucesso. As orientações sempre recebidas de Noé Fortes, culminaram com a compra das fazendas de propriedades da viúva de Juca de Castro, Dona Dorinha, que residia em Belo Horizonte. 

Em 1962 mudou-se para Teresina e o segundo empreendimento na capital foi montar uma vacaria que ficava no portal da Catarina. 

Assim continuou seu destino: fazendas, gado, comércio, empresas de ônibus e educação aos filhos: Itamar, Francyslene, Ismar e João de Deus. 

Até que em setembro de 2013, Deus o recebeu no Céu para ajudar a messe celestial, entregando-lhe a mais bela fazenda celestial. 



VAQUEIRO &GADO 

AO VAQUEIRO ZÉ MARQUES DA COSTA 


"Aos quinze anos de idade, 

Estudava em Teresina, e, 

Bateu-lhe no coração saudade! 

Ao sertão voltar e lida do gado. 

II 

"Seu Noé Fortes lhe entregou 

Fazenda inteira e o gado pegou! 

Ganhou fama de bom vaqueiro 

O jovem bonito e namorador! 

III 

"Logo conheceu: Antonias, Marias 

Isabel e se apaixonou pela Francisca 

Tornando-a esposa e fiel companheira. 

IV 

"Viveram sessenta e quatro anos, 

Um grande amor e compreensão. 

Tiveram quatro filhos, que emoção!". 



O TERCEIRO VAQUEIRO: 

José Marques de Araujo (Zezito) nasceu na fazenda Pequizeiro, em 08 de dezembro de 1920, faleceu em 17 setembro de 1997. 

Desde cedo resolveu dedicar-se à lida do gado. Sempre muito zeloso com os animais. Casou bem jovem com a Sra Maria Soares de Araujo, filha do cearense de Crateús, José Soares. Tiveram três filhos: Bismarck, Osmarina e Maria Núbia. Recebeu um convite irrecusável: ser o vaqueiro encarregado da bonita Fazenda Lagoa Redonda, situada às margens do Riacho Cais (São João da Serra/Castelo do Piauí), pertencente ao Senhor Roland Jacob, proprietário do Grupo Marc Jacob. 

Zezito passou a administrar esta fazenda que produzia muito leite, queijo, muita carne e couro. Nasciam em média 200 bezerros e bezerras/ano. O Jovem que se transformou em exímio administrador, passou anos e anos na luta do gado, ganhando do seu patrão e familiares muitos elogios e respeito, até o dia da separação. O vaqueiro ficou triste, chorou, porém não tinha como recuar. Foi bem indenizado, restando-lhe deixar a fazenda e montar a fazenda Salobro, no município de São João da Serra. Antes tinha colocado os filhos para estudar em Teresina, sob a orientação da esposa Mariinha. 

Zezito, era moreno com as mesmas características de "Charles Bronson", meticuloso ao falar e perfeccionista em tudo que fazia. Vendeu o Salobro e transferiu suas belas rezes para a fazenda Alívio, município de Alto Longá. Um dia avistei meu tio sentado na porta da casa da tia Baeta (irmã do do vaqueiro-encarregado). Tomei a benção e observei lágrimas nos olhos do velho vaqueiro. Perguntei-lhe qual o motivo da tristeza e das lágrimas. Ele prontamente respondeu: "meu filho já não tenho mais estímulo e força para fazer a cansativa viagem Teresina/Alto Longá/Alívio todos os sábados". Tomei uma atitude e convidei-o para levar os seus animais para o Allegre, fazenda situada no Km 30 da Estrada Motorista Waldemir Melo (Altos/Beneditinos). Dias depois ao visitar a fazenda encontrei-o disposto, cuidando do que mais gostava: quebrando mandioca para as reses que já não tinham dentes, e aboiando, ordenhando as paridas e levando o balde de leite para casa. 

Naquele sábado a tardinha ele fazia tudo sempre igual: pegava o ônibus, descia na fazenda, e passava a fazer as atividades, dava comida ao gado(eles vinham comer bem próximo do protetor), quebrava a mandioca para a vaquinha sem dentes,. Aboiava etc. 

Resolve tomar banho, e ao voltar o gadinho ainda estava ruminando, quando o grande trabalhador teve morte súbita bem ao lado de suas protegidas. 

O grande sonho do vaqueiro Zezito era morrer em uma fazenda sentindo o berrar do gado e o cheiro de suas vaquinhas, 

Assim aconteceu! 

ZEZITO 


"Zezito o bom Vaqueiro , 

Zeloso, amigo e companheiro. 

O seu gado era o melhor, 

Seu cavalo era o maior. 

II 

"Na Lagoa Redonda trabalhou, 

Na pega do gado se destacou. 

Seu Roland Jacob o adorava, 

O bom vaqueiro se destacava. 

III 

"Deixou a fazenda triste, 

Quando partiu pro Salobro. 

O gado tocando; era o consolo. 

IV 

"Já no final da jornada foi pro Allegre, 

Cuidava do seu gadinho com dedicação! 

Deus o levou, silenciando a aboiação!"    

terça-feira, 27 de março de 2018

AS ACADEMIAS E A INDIGÊNCIA VOCABULAR


AS ACADEMIAS E A INDIGÊNCIA VOCABULAR 

Valério Chaves 
Escritor, jornalista e desembargador inativo do Tribunal de Justiça do Piauí. 

O tema pode parecer recorrente, mas nem por isso deixa de ter sua importância para a preservação da língua portuguesa e da literatura nacional, principalmente nos tempos atuais quando assistimos, até mesmo por parte da classe dita culta, o pouco apreço ao gosto pela leitura e um inconcebível relaxamento ao significado, pronúncia e grafia das palavras - valores inalienáveis do patrimônio cultural brasileiro. 

Diante de tantas deturpações e modos expressionais de linguagem, seria pouco realista negar a existência de uma verdadeira epidemia vocabular a tomar conta de nossos jovens que, expostos às influências do processo de desconstrução do idioma nacional, são levados a excitar sua imaginação com palavras recheadas de gírias e expressões desprovidas de regras gramaticais ou de qualquer sentido lógico em relação principalmente à regência verbal e à beleza da língua que Olavo Bilac, do alto de sua sensibilidade poética, disse ser "A última flor do Lácio, inculta e bela" 

Em meio às barbaridades que são ditas e escritas por aí, parece que entre tantas outras, estamos vivendo, também, a crise do idioma que inspirou Machado de Assis na época da criação da Academia Brasileira de Letras (1897), cuja missão primordial era salvaguardar a língua portuguesa como elemento indispensável para confrontar pontos de vista, ampliar ideias sobre valores culturais, reforçar o humanismo e o pensamento crítico. 

Daí a importância das academias de letras na continuidade desse desiderato pelo aprimoramento da língua como instrumento de divulgação das ideias, das artes e das ciências, e nessa condição, isoladas ou em parceria com os órgãos políticos e governamentais, trabalhar no sentido de incentivar o debate contra a destruição da linguagem por quem não tem compromisso com a beleza das formas, com as obras da vida e com a profundidade da alma humana. 

Em verdade, nesse cenário de consideráveis desvirtuamentos pela intromissão de palavras e expressões advindas do desenvolvimento tecnológico e científico do mundo moderno, exsurge, mais do que nunca, a necessidade do idioma ser divulgado e explicado, a fim de permitir que o indivíduo se comunique consigo mesmo, como na expressão do psicanalista francês Jacques Lacan: "a língua está profundamente entranhada na constituição do indivíduo que, rebaixar e ridicularizar equivale menosprezar o ser humano". 

No mesmo sentido, o filólogo Cândido de Figueiredo no seu livro chamado "O que se não deve dizer" (1903), escreveu o seguinte trecho: "Quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua a deturpações e vícios, sob a variada influência das relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda, tudo parecendo haver conspirado para dar curso às mais extraordinárias invenções e enxertos da linguagem". 

Acreditamos que somente com atitudes poderemos evitar o sucateamento do patrimônio cultural brasileiro e assim possibilitar que os jovens de hoje e de amanhã aprendam conjugar corretamente os verbos irregulares sem necessidade de apelar para os vícios como: imexível, convivível, houveram, manteu, interviu e outras variedades de termos como o "aliás e o "inclusive" inventados pelos "idiotas da objetividade", como diria o irreverente jornalista e escritor Nelson Rodrigues. 

Em defesa da razoabilidade, os linguísticos e os críticos mais afoitos dizem que os maiores prejudicados com a incorreção da grafia e da pronúncia das palavras de nossa língua são os estudantes, em razão da menor presença da literatura nas questões do ENEM e das universidades, quando da formulação das provas. 

Independente de quaisquer críticas, o que importa ressaltar é que o acesso ao universo da literatura como veículo de elevação mental de um povo e o uso obrigatório do idioma oficial previsto no artigo 13 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, são direitos fundamentais de todos os cidadãos brasileiros. 

Por essa razão, forçoso concluir que os Poderes constituídos, os operadores do direito, os professores do ensino fundamental e as academias de letras dentro do seu contexto geopolítico, precisam despertar maior reflexão sobre medidas que assegurem a utilização da língua portuguesa como base de preservação da soberania e identidade do país.  

segunda-feira, 26 de março de 2018

Histórias de Évora



Histórias de Évora é um romance de formação, e conta histórias da vida de Marcos Azevedo, o protagonista, desde a sua adolescência, ocorrida na primeira metade dos anos 1970, e de sua juventude até o início de sua maturidade, com a narrativa em terceira pessoa.

Mas também conta episódios de outras personagens, através de um narrador em primeira pessoa, no caso Marcos, poeta e escritor.

Não se trata da Évora portuguesa, mas de uma cidade fictícia, misto de Parnaíba e Campo Maior dos anos 60, 70 e 80 do século passado.

Como pano de fundo, é contado um pouco da História do Piauí, sobretudo a decadência do extrativismo econômico e a derrocada dos velhos cabarés.

Histórias de Évora se encontra à venda nos seguintes pontos comerciais:

Em Teresina: livrarias Entrelivros, Universitária, Anchieta e Leitura.

Em Parnaíba: livraria Harmonia e Banca do Louro (na Praça da Graça).

Em Campo Maior: Banca de Dona do Carmo e Livraria Santa Barbara.

domingo, 25 de março de 2018

Seleta Piauiense - Adail Coelho Maia

Fonte: Google

O Usurário

Adail Coelho Maia (1909 - 1962)

Pensando simplesmente no dinheiro
Vive o rico usurário, noite e dia
Se alguém lhe bate à porta, traz primeiro
A nota que tem por garantia!

Por quase nada, tudo ele avalia
Num gesto de sagaz aventureiro;
E em tão pouco tempo, cheio de alegria,
Leva do pobre o traste derradeiro.

O seu deus é a riqueza conseguida,
Com ela pensa em se livrar do inferno
Porque com ela triunfou na vida.

Mas um pesar em seu viver influi,
Saber que morre e o desespero eterno
“De não poder levar o que possui.

sábado, 24 de março de 2018

Os Personagens da Marechal


Os Personagens da Marechal

José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador


Marechal Castelo Branco é a avenida que ombreia o rio Poti pela sua margem esquerda, importante via que se transformou rapidamente em alternativa importante ao tumultuado trânsito para buscar o centro da cidade. Bela no seu aspecto paisagístico virou também pista de caminhada para os apreciadores do jogging. Gosto de fazer as minhas caminhadas matinais por lá, em detrimento da outra pista que margeia o mesmo rio pelo seu lado direito, e que foi batizada com o nome de Raul Lopes. Esta outra avenida recebe uma quantidade maior de “atletas”, especialmente nas tardes mornas de Teresina. Porém, foi na Marechal que eu me adaptei e queimo algumas calorias, desfrutando do seu sombreamento e da sua paisagem atraente. Já afirmei certa vez, para responder à indagação do porquê de não gostar de caminhar pela Raul: gosto de bater pernas durante a parte da manhã, quando o clima é mais ameno, e também por não possuir muitos conhecidos por ali que possam atrapalhar a minha caminhada e a meditação que faço nessas horas. Por isso, gosto de caminhar sozinho e incógnito, ao contrário de muitos que gostam de conversar muito durante a caminhada. Dizem, para se justificarem, que o tempo passa mais rápido. Só que eu prefiro meditar ao invés de emitir ideias, ouvir pontos de vista. Pronto.

Tenho observado alguns personagens que transitam sempre por lá para aprimorar a forma física, em busca da saúde perdida. Começo pelo mais ativo deles, um cidadão magro, careca e que usa sempre calça de jogging, talvez para esconder as pernas finas e ágeis. Vejo que deve estar aí pela casa dos quarenta anos, quem sabe, um pouco mais. Este é um viciado no mister. Por ser um dos poucos com quem me comunico, mesmo rapidamente, fiquei sabendo que caminha ( e corre também) todos os dias, inclusive aos domingos. Afirmou também que se sente mal no dia em que, por um motivo ou por outro, tem o seu hábito prejudicado. É uma figura que representa fartamente esses tempos em que as pessoas repõem as pernadas substituídas pelo uso do carro ou da moto, coisa que fazem até para ir à padaria logo ali na esquina.

Depois tem aquela jovem mulher que, não muito assídua quanto o nosso carequinha, vez por outra põe em dia o aprimoramento físico. Alta, forte, sempre com uma leg colada às pernas longas, passa por mim correndo e agitando a trança comprida e elegante. Poderia ser eleita a musa da Marechal, mas, pensando bem, isso não vem ao caso. Não que não transite por ali belas mulheres. Mas é que não pretendemos desfeitear outras atletas até mais assíduas e dedicadas.

Tem também aquela senhora cinquentona que, vez por outra, leva os seus cães para passear. Gorducha, claudicante ao caminhar, arrasta três cachorros pelas coleiras. Um dos animais é fêmea, grande e gorda, com um pouco de sangue Rottweiller nas veias, e me parece bonachona e tranquila. O outro é um Poodle de pelagem branca. Melhor dizer que possui um resto de pelos bancos, posto demonstrar que a sarna o tem atacado sem dó nem piedade, derrubando os cabelos sedosos e deixando ver uma pele avermelhada, maltratada. Apresenta essa característica mais destacadamente na parte de trás que ficou parecida com as ancas vermelhas de um babuíno. E o terceiro é um Pequinês de pelo também branco, rechonchudo e agitado, que parece comandar a matilha. Irrequieto, ele puxa o cordel que o prende para um lado e para o outro, para, retrocede, e a mulher, calmamente, atende a todos os seus comandos. Merece uma comenda da parte da Sociedade Protetora dos Animais pelo trabalho realizado.

De maneira igual, outra senhora traz sempre à mão uma sacola com ração para gatos e algumas garrafas plásticas com água limpa. Acredito que por ali são abandonados muitos gatos, pois a quantidade e variedade deles é enorme. E ela até já improvisou dois abrigos sob os bancos de concreto, utilizando-se de pedaços de compensado ou de papelão para erigir duas casinholas para os bichanos. As duas mulheres, tanto a dos cachorros, quanto a que abastece os gatos de comida e água, vestem-se a caráter para realizar a sua caminhada matinal. Em nada se distinguem das outras caminhantes.

Vejo por lá também aquele senhor gordo – não, não estou falando de mim - que caminha sempre acompanhado da esposa. Alto, pernas grossas qual patas de elefantes – acredito que inchadas – quando o vi começar os seus exercícios pensei que não prosseguiria por muito tempo, tal o aspecto de sofrimento que mostrava no rosto alvo e de barba branca e cerrada. Mas me enganei. Já o vejo por ali há muitos meses e observo que o seu aspecto é muito mais tranquilo, mais desenvolto, respira melhor, já não mostra mais aquele cansaço de quem vem caminhando há séculos. Esse merece ser parabenizado pela sua persistência.

Faço referência agora àquela gordinha, baixa compleição física, formas infladas dentro de uma malha muito colada que passa por mim numa velocidade estonteante como se eu estivesse parado. Deve estar com o peso dobrado. Não tem o perfil que eu penso ser o ideal para alguém caminhar com tanta desenvoltura. Era o que eu pensava antes. Mas estava engando quanto a isso. Ela passa por mim em marcha batida e sem demonstrar o menor cansaço, sacudindo o corpo dentro daquela calça de malha fina que parece uma segunda pele do tipo que as mulheres usam para conferir maior beleza às pernas. Essa moça me mostrou ainda que a idade me fez caminhar mais lento, por mais que eu queira imprimir velocidade às minhas pernas. Mal comparando, pareço aquele fusca barulhento que parece desenvolver uma velocidade estonteante, tão alto está o giro do motor, mas que trafega se arrastando pela pista qual uma tartaruga. E isso me incomoda, reconheço.

Depois, tem aqueles atletas de uma vez só. Chegam um dia, alongam-se, exercitam-se espalhafatosamente, e partem numa correria desenfreada. Logo à frente encontro-os prostrados sobre um dos bancos existem no passeio, soltando o ar com dificuldade. Nunca mais aparecem na Marechal. São muitos iguais a estes. Aves de arribação. Quase todos os dias vejo uma cara nova por lá.

Tempos atrás apareceu por lá um sujeito esdrúxulo, magro, fantasiado de indiana Jones, que parecia uma figura saída dos programas de humor. Trajando calça de jogging, tênis pouco apropriado para uma caminhada, camisa de malha mangas longas, tipo essas que vemos hoje nas praias - e que alardeiam possuir elementos para a defesa contra raios ultra violeta. Portava ainda um chapéu do tipo usado pelos exploradores sobre a cabeça que me parece perturbada. Parece conhecer os moradores da região, pois vejo-o sempre parar para uma conversa com alguns deles. Dias atrás retomou a caminhada exatamente quando fui passando por ele. Andou um bom tempo perto de mim e observei que ele cantava algumas musiquinhas para criança, tipo A dona Aranha... E mal terminava uma emendava outra. Depois entoou marchinhas de carnaval e, mais à frente, desandou a cantar músicas da Jovem Guarda. Uma coisa que eu observei, foi que ele não termina a música, canta somente uma parte dela e já vai emendando com outra. Ou por não saber, ou por querer mostrar a sua “play list” completa. Encontro-o quase todas as vezes que vou caminhar, e, invariavelmente, traja o mesmo tipo de roupa, e está sempre cantando. Vai se saber porque!

Finalmente, quero falar aqui de um personagem que vejo quase todas as vezes que vou me exercitar por ali: um bem-te-vi. Quando menino chamava esse tipo de ave de “João Besta”, pois ficam sempre a se mostrar para nós, fazendo estripulias. Acredito que este já me conhece, e até sente alguma amizade por mim, pois fica caminhando na minha frente, ligeiro, saltitando sobre aquelas perninhas finas, compridas e desajeitadas, mas quando me aproximo mais ele entra no mato rasteiro e some. Desaparece tão rapidamente como apareceu. Sempre caminhando, nunca ao sabor das suas asas, e sempre no mesmo ponto da avenida. Penso que tem o seu ninho por ali.

No dia que não vou caminhar na Marechal Castelo Branco sinto falta e a minha consciência pesa por achar que é uma atividade inescapável a qual não posso prescindir. E ainda aproveito para me deleitar com os personagens que vejo transitar por ali. É o meu passatempo, melhor e mais saudável. E como não fico conversando durante todo o trajeto, deixo de engolir quilos de fumaça emitida pelos veículos que trafegam ligeiro pela avenida.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Sobre agendas: tempo e passagem


Sobre agendas: tempo e passagem

Cunha e Silva Filho

Se existe alguém que não sabe lidar com agendas telefônicas e para outros fins, esse alguém sou eu. Nem mesmo sei se outras pessoas guardam suas agendas de anos anteriores, uma vez que, agora, é bem capaz de que elas, as agendas, estejam fora de moda por serem impressas. Presumo que as agendas, agora, sejam eletrônicas ou por outra, virtuais. Perdoe-me , o leitor, o meu lado gauche à Drummond sobre gadgets ou outras formas de anotação de dados, tais como endereços, telefones, pen-drivers ou outras informações que a gente faz com as agendas impressas.

Mesmo no celular ainda não me dei ao trabalho de aprender como falar via WhatsApp, ou pôr um vídeo no Face. Embanano-me todo e transformo o uso do celular num caos virtual sem tamanho. Os amigos, ao verem isso, me dão um sorriso escarninho. Da mesma forma, é com alguns procedimentos de links, e transferências nesse navegar pela internet. Contudo, não estou sozinho nessa modo argel de lidar com o mundo virtual ou com o mundo eletrônico.

Disseram-me uma vez que o escritor Jorge Amado (1912-2001) não sabia nem como sintonizar uma estação de rádio. Meu pai, também escritor, era pouco dado a ouvir rádio e nem mesmo teve um rádio para uso próprio. Por outro lado, escritores, mais velhos aderiram à aprendizagem do computador, ao passo que outros nem mesmo ainda sabem usá-lo e me afirmaram que não querem aprender mesmo. 

Mas, acredito que eles seja as últimas gerações de idosos que não desejam familiarizar-se com o mundo virtual. Mais anos pela frente e todos indistintamente, crianças, moços e idosos estarão navegando naturalmente pela Internet. Ou seja, todos beberão do mesmo vinho do universo virtual. Todos, assim, globalizarão a virtualidade em todos os sentidos: afetivo, comunicativo, ideológico, profissional etc.

A minha intenção central desta crônica são as agendas impressas que, no meu caso particular, já formam uma um embrião de “biblioteca.” As agendas são de vários tamanhos: pequeninas, médias e grandes,. Estas são as de que mais gosto por terem mais espaço e mais páginas. Ora, nelas está anotada um multidão de dados: nomes de conhecidos, de amigos, de pessoas de variadas atividades profissionais, de nomes que, no presente, já não identifico.

Tudo esta anotado ao acaso na maior parte, acronologicamente, alguns com e-mails, outros com o nome da profissão. Alguns são ex-alunos que se perderam na multidão e, para resumir, há uma lista enorme de pessoas queridas que já se foram do meu convívio na Terra.

À medida em que releio ou passo a vista distinguindo os que se foram para sempre, me vem à lembrança, em ponto pequeno, o número bem visível de mortes relatadas na narração de Dom Casmurro - essa obra-prima de Machado de Assis (1839-1908). Talvez já tenha aludido a esse detalhe alhures: em Dom Casmurro (1899) foi, pela primeira vez no âmbito da literatura, que tive a sensação estranha e singular da efemeridade da vida tão genialmente transmitida pelo narrador Bentinho, por sinal, a meu ver, cruel narrador machadiano.

Nem mesmo o foi pela quantidade de personagens que morrem ao longo do enredo, mas pela forma como a morte é anunciada pelo narrador aqui e ali na obra. Dom Casmurro é o retrato mais perfeito, em termos de forma narrativa que já experimentei como leitor. Daí a sua grandeza, a sua singularidade, o seu sopro da vida mais “real” do que a própria existência porque um grande romance nos permite ter uma visão mais profunda do ser humano e de seus problemas e enigmas.

As agendas antigas têm esse condão de nos transportar ao passado e simultaneamente de nos projetar ao futuro e às transcendências. Elas são tempo e passagem. Fixam homens, lutas e acontecimentos alegres ou tristes já pretéritos. Dão também um certo perfil de nosso travessia cá entre os mortais e nos fazem questionamentos sobre a eternidade e a intemporalidade das quais não escapamos como viventes.

Quem quiser encontrar organização e cronologia nas minhas agendas perderia seu tempo. Ao abrir as páginas dessas agendas, o leitor terá que reordenar tudo e usar a imaginação a fim de pôr ordem no caos. As agendas, no me caso, serão caixinhas de surpresas. Darão boas pistas, porém não darão a chave. Não fiz isso de propósito, porque elas se construíram da desordem e da emoção. 

Já me fizeram entender que a sociedade funciona porque nada é muito lógico e a vida é feita de acasos (William Shakespeare,1564-1616,) e, se tudo fosse certinho, matemático, lógico, a vida seria insuportável, da mesma maneira que ela não bastaria se não fosse complementada pela Arte, conforme declarou o poeta Ferreira Gullar (1930-2016). A Arte nos liberta pelo menos dentro de nossa indevassável solidão.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Dois livros sobre o Piauí (*)



Dois livros sobre o Piauí (*)

Elmar Carvalho

Recebi, ofertados por seus autores, os livros Engenharia Piauiense e História do Piauí: passageiro do passado. 

O primeiro, da autoria de Cid de Castro Dias, engenheiro e membro da Academia Piauiense de Letras, discorre sobre as principais obras da engenharia civil em nosso estado, sobretudo as estruturantes e públicas; traça o perfil biográfico dos governadores e dos prefeitos de Teresina que mais construíram, entre os quais Saraiva, Antonino Freire, Landry Sales, Leônidas de Castro Melo, Chagas Rodrigues, Alberto Silva, Dirceu Arcoverde e Freitas Neto (governadores); Joel Ribeiro, Wall Ferraz, Jesus Tajra, Francisco Gerardo da Silva, Firmino Filho e Sílvio Mendes (prefeitos de Teresina). O livro é quase um álbum e traz inúmeras fotografias das obras referidas. Traça o perfil biográfico dos notáveis engenheiros piauienses: Antônio Alves de Noronha, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Cícero Ferraz de Sousa Martins e Luiz Francisco do Rego Monteiro. 

Nascido na cidade de São Raimundo Nonato (PI), portanto no semiárido piauiense, talvez por isso mesmo, por bem compreender a importância de um manancial, se tornou uma espécie de El Cid do rio Parnaíba, proferindo palestras e escrevendo livro em defesa de nosso mais importante patrimônio natural, inclusive preconizando a conclusão das eclusas da Barragem de Boa Esperança e o retorno de sua navegabilidade, razão pela qual publicou a notável obra Os caminhos do Parnaíba. 

Tendo exercido importantes cargos no Governo do Estado, no setor de obras públicas sobretudo, publicou ainda Piauí – Projetos Estruturantes, livro que enfoca as grandes obras, tais como UFPI, metrô de Teresina, Barragem de Boa Esperança, Albertão. Não bastasse tudo isso escreveu o livro Piauhy – das origens à nova capital, que abarca o período que se estende desde o desbravamento e colonização até a fundação de Teresina por José Antônio Saraiva. Essa obra traz a transcrição de importantes documentos, desde a época do Piauí colonial até a consolidação da transferência da capital. Com isso, se consagrou como um dos grandes divulgadores da historiografia piauiense. 

O segundo, escrito por Homero Castelo Branco, escritor, economista, membro da APL e deputado estadual em várias legislaturas, traz a saga da família Alencar, com as figuras emblemáticas da matriarca Bárbara Pereira de Alencar e Joaquim Antão de Carvalho. Além de biografias e histórias interessantes, a obra apresenta a genealogia dessa ilustre estirpe, que se ramificou pelos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. 

Bárbara de Alencar, heroína e protagonista do livro, faz parte do panteão nacional. Seu nome foi inscrito no livro dos Heróis da Pátria, através da Lei nº 13.053, de 22 de dezembro de 2014. Dela disse Oscar Araripe, em texto preambular do livro, mas originalmente publicado no Diário do Nordeste, edição de 11/02/2015: “Dona Bárbara de Alencar. Dona Bárbara de Alencar do Crato. A brava do Cariri. Oráculo de Santa Bárbara. Diana de Açu. A Iansã do Araripe. Santa de Fortaleza. Heroína do Ceará. Mãe da Independência e da República Brasileira. Minha adorada hexavó, rainha esplendorosa dos álamos do Brasil.” 

Homero, seguindo as pegadas de seu homérico e grego homônimo, é um exímio contador de histórias e “causos”, pelo que o considero um dos melhores causeurs que já conheci. Sendo também um talentoso escritor, algumas dessas narrativas já foram divulgadas em alguns de seus livros ou em textos avulsos, mas de forma algo diluídas em contexto maior. 

Contudo, e isso tenho lhe repetido em diferentes oportunidades, ele bem poderia reunir essas interessantes, anedóticas, jocosas ou mesmo picantes histórias, delas com alguma dose de ironia ou até mesmo sarcasmo, em um belo livro, que certamente poderia conter alguns traços de memorialismo e autobiografia. 

Nele desfilariam personalidades ilustres da política e da cultura, assim como figuras populares e engraçadas. Sua habilidade literária transformaria essas histórias e estórias em atraente e saborosa leitura. Sem dúvida ele teria a necessária inteligência para não denegrir personalidades, nem magoar pessoas, omitindo ou mudando o nome verdadeiro, quando imprescindível. 

Engenharia Piauiense e História do Piauí: passageiro do passado são duas obras notáveis, que agora enriquecem as prateleiras de minha biblioteca física ou impressa, posto que hoje também possuo uma biblioteca virtual, principalmente contida em meu aparelho Kindle.

(*) Texto republicado em virtude de haver tido substancial aumento, com o acréscimo de novos parágrafos. 

quarta-feira, 21 de março de 2018

PREVARICAÇÃO JUDICIÁRIA

Fonte: Google

PREVARICAÇÃO JUDICIÁRIA

Valério Chaves
Escritor e desembargador inativo do TJPI.

Ao longo da história da humanidade o mundo tem sido palco de muitos crimes que pelo rigor de seu simbolismo, pela importância da vítima ou pela coragem ou covardia do juiz ultrapassam o tempo e dividem a própria História. 

Nesse contexto, poderíamos mencionar como exemplo os assassinatos de Júlio César, Abrahan Lincoln, Mahatma Gandhi, John Kennedy, Martin Luther King, John Lennon, Osama Bin Laden e tantos outros. 

Neste período de celebração do Mistério da Liturgia Pascal, bem que se poderia evocar outro crime cujo processo de prisão e julgamento do réu, culminou na Paixão e Morte de Jesus Cristo sobre a cruz onde passou para o Pai a vida nova da Ressurreição. 

Com efeito, a condenação de Jesus, sem motivo legal e ausência de qualquer culpa, serviu não só para indignar seus discípulos e seguidores cristãos, mas também para fazer de Pôncio Pilatos um símbolo de juiz submisso ao medo, ao permitir que a sentença condenatória de Cristo fosse ditada pelos naturais do mundo da Galileia. 

A pusilanimidade fez de Pilatos um histórico patrono dos chamados julgamentos alternativos do nosso tempo - aqueles que diante de um caso concreto, o juiz admite a coexistência de duas ordens jurídicas e interpreta a lei como um parâmetro genérico sem compromisso com as provas contidas nos autos. 

Na audiência de instrução do processo de Cristo, Pôncio Pilatos - advertido por sua esposa Cláudia Prócolo - sabia que não havia fundamentação jurídica para uma sentença condenatória do réu, acusado de blasfêmia, de não pagar impostos a César, de se proclamar rei e perturbar a ordem pública. 

Além disso, o processo criminal estava repleto de nulidades, como o uso de falsas testemunhas, julgamento noturno, sem direito a recurso e execução durante a Páscoa - que na época era proibido pelas leis judaicas. 

Pilatos tinha consciência desses fatos, tanto que ainda tentou salvar o réu de morte na cruz fazendo um apelo ao povo para que se decidisse entre Jesus e Barrabás - este era acusado de sedição e ladrão salteador de estradas. Não via em Jesus crime algum, mas diante do temor de trair o imperador Tibério César e da tibieza que o dominava, preferiu lavar as mãos e condenar à morte o Cordeiro da Páscoa, dizendo: "Sou inocente do sangue deste justo". 

Os historiadores relatam que tudo aconteceu por uma questão histórica advinda da inveja das facções judaicas estimuladas pelos lideres fariseus que dominavam o Sinédrio. 

Mas, acredita-se que se Pilatos tivesse agido com autoridade, firmeza e fiel à sua convicção da inocência do réu, o povo não teria arrogado o direito de cometer o maior crime judiciário da era cristã. 

A lição bíblica diz que "há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte" (Provérbios, 14:12). 

No caso, Pilatos foi um juiz tíbio e agiu sob os interesses do poder como governador representante do império romano. 

Para a Justiça da modernidade fica a advertência: aqueles que pretenderem seguir o exemplo de Pilatos, certamente, não estarão salvos do mesmo ferrete que imolou Jesus, porque como disse Ruy: "Não há salvação para o juiz covarde".   

terça-feira, 20 de março de 2018

SALÃO DO LIVRO DE PARNAÍBA – SALIPA

SALÃO DO LIVRO DE PARNAÍBA – SALIPA

Alcenor Candeira Filho

     A primeira edição do Salão do Livro de Parnaíba – SALIPA ocorreu no período de 11 a 13 de agosto de 2009, dentro das festividades comemorativas dos 165 anos de elevação da Vila de São João da Parnaíba à dignidade de cidade.
     O SALIPA foi inspirado no Salão do Livro do Piauí – SALIPI, concebido e coordenado por abnegados professores e intelectuais,  com quinze edições realizadas (2003/2017).
     A exemplo do SALIPI, o SALIPA tem se constituído num espaço aberto  às mais diversas manifestações culturais: literatura, história, fotografia, música, teatro, artes plásticas, dança, feira de livros.

     Patrocinado pela Prefeitura Municipal de Parnaíba em parceria com a Fundação Quixote  e apoio do governo estadual, o SALIPA deixou lamentavelmente de ser realizado a partir de 2016. Daí em diante “tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes” e a cidade não recebe mais  a visita e as lições de expoentes da cultura brasileira como Moacir Scliar, Ana Miranda, Márcia Tiburi, Ignácio de Loiola Brandão, Zuenir Ventura,  Marina Colassanti, Fabrício Carpinejar, Alice Ruiz, Cristóvão Tezza, Gabriel o Pensador, Afonso Romano de Sant’Anna.
     Dentre os piauienses que se apresentaram no SALIPA lembro os historiadores Fonseca Neto e Manuel Domingos Neto; os poetas e escritores Cineas Santos, Luís Romero, Salgado Maranhão, Danilo Melo, Assis Brasil, Elmar Carvalho,  Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos, Israel Correia, Maria do Amparo Coelho dos Santos, e os artistas Teófilo Lima, Soraya Castelo Branco, Gregório Neto, João Cláudio  Moreno, dentre outros.
     O SALIPA sempre alcançou um grande público, formado principalmente por escritores, artistas,  estudantes e professores.
     Realizadas no Espaço Cultural Porto das Barcas, com palestras no auditório da Associação Comercial  de Parnaíba constantemente lotado, as seis edições do SALIPA foram bem sucedidas e deixaram imensas saudades.
     Eis uma síntese de cada evento:

-  1º SALIPA
    * ANO OVÍDIO SARAIVA
    * Mensagem: “Quando as letras falam mais alto”.
    * Data: 11 a 13-08-2009

- 2º SALIPA
    * ANO HUMBERTO DE CAMPOS
    * Mensagem: “Ler é descortinar infinitos horizontes”.
    * Data: 19 a 21.08.2010

- 3º SALIPA
    * ANO RENATO CASTELO BRANCO
    * Mensagem: “Ler é tudo de bom”.
    * Data: 01 a 04.09.2011

 - 4º SALIPA   
    * ANO EVANDRO LINS E SILVA
    Mensagem: “Eu tenho o vício da defesa da liberdade”.
·         Data: 07 a 10. 11.2012

- 5º SALIPA
    * ANO ASSIS BRASIL
    * Mensagem: “Ler é viajar no tempo”.
    * Data: 12 a 15.11.2014

- 6º SALIPA
    * ANO LEONARDO CASTELO BRANCO
    * Mensagem: “Cultura seduz e liberta”.
    * Data: 11 a 14.11.2015.

     Os organizadores do evento primavam pelo rigor na escolha dos participantes. Se a peneira não era infalível, pelo menos continha  poucos buracos.  A responsabilidade seletiva se estendia à escolha do homenageado em cada ano.
     Para evitar a pressão de cabotinos interessados apenas na promoção pessoal ou familiar, adotou-se inicialmente um critério capaz de neutralizar nefastas contaminações: o homenageado seria sempre pessoa falecida, preferencialmente parnaibana. A regra só foi quebrada no ano de 2014, quando com inteira justiça se homenageou um dos maiores escritores vivos do país: Francisco de Assis Almeida Brasil.
     Efetivamente, os seis homenageados nas edições do SALIPA são escritores renomados e respeitados no Brasil inteiro:

·         Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva: nascido na Vila de São João da Parnaíba, foi fundador da literatura piauiense com o livro POEMAS, editado em `Portugal em 1808, obra enquadrada na estética neoclássica ou árcade e que se caracteriza pela presença da cultura greco-latina, por fartas alusões a figuras da mitologia e pelo culto da poesia pastoril ou bucólica.
·         Humberto de Campos Veras: consagrado escritor brasileiro, nascido em Miritiba-Ma, tendo passado a infância em Parnaíba, que lhe inspirou as famosas páginas dos livros MEMÓRIAS e MEMÓRIAS INACABADAS. Membro da Academia Brasileira de Letras.
·          Renato Pires Castelo Branco: escritor e publicitário nascido em Parnaíba-Pi.  Romancista, ensaísta, memorialista e poeta. Pesquisador que se aprofunda  na análise dos fatos, Renato Castelo Branco é autor do ensaio histórico-cultural A QUÍMICA DAS RAÇAS , do estudo histórico-social do Piauí denominado A CIVILIZAÇÃO DO COURO e dos  romances que compõem a “Trilogia do Meio-Norte”: RIO DA LIBERDADE, SENHORES E ESCRAVOS e A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO, que se fundamentam em acontecimentos localizados no Vale do Parnaíba, isto é, as guerras da independência, a Balaiada e a conquista do Vale pelos bandeirantes paulistas e vaqueiros baianos.

     *  Evandro Lins e Silva: parnaibano nascido na Ilha Grande de
         Santa Isabel. Jurista e escritor que ocupou elevados postos
         no país: Procurador-Geral da República, Ministro das        
        Relações Exteriores, Ministro Chefe da Casa Civil e Ministro
        Do Supremo Tribunal Federal. Destacou-se sobretudo como
        advogado criminalista e como defensor da liberdade. Autor
        dos livros A DEFESA TEM A PALAVRA, ARCA DE GUARDADOS
         e O SALÃO DOS PASSOS PERDIDOS. Membro da Academia
         Brasileira de Letras.
  
    *   Francisco de Assis Almeida Brasil: Natural de Parnaíba-Pi.
         Publicou mais de cento e cinquenta livros em diferentes
         gêneros: romance, conto, crítica literária, ensaio, didático,
         etc. Ganhou duas vezes o Prêmio Nacional Walmap de
         de Literatura  com os romances BEIRA RIO BEIRA VIDA e OS QUE BEBEM COMO OS CÃES. Autor da “Tetralogia Piauiense”,  que compreende os romances BEIRA RIO BEIRA
        VIDA, A FILHA DO MEIO-QUILO, O SALTO DO CAVALO
        COBRIDOR e PACAMÃO,  todos ambientados na Parnaíba do
       segundo quartel de século XX.

·         Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco:
nasceu em 1788 e faleceu em 1873. Revolucionário, poeta, 
prosador e mecânico. Teve importante participação na história de nossa independência. Sua obra mais famosa é A CRIAÇÃO UNIVERSAL, com mais de quatro mil versos brancos ou soltos.

Nos seis anos de realização do SALIPA, os parnaibanos vivenciamos dias inesquecíveis de pleno envolvimento com atividades culturais.

Ouvidor Antônio José de Moraes Durão


Ouvidor Antônio José de Moraes Durão

Reginaldo Miranda

Sobre esse ouvidor já publicamos traços biográficos em volumes anteriores, São Gonçalo da Regeneração (Teresina: 2004),Vultos da história do Piauí(Teresina: APL, 2015) e naRevista da Academia Piauiense de Letras (2007). No entanto, para essa coletânea traçaremos breve resumo de sua vida e atuação na ouvidoria, nas provedorias e no governo interino do Piauí.

Antônio José de Moraes Durão, nasceu na vila de Moura, distrito de Beja, no Alentejo, cerca de 1730, filho do ajudante Francisco da Silva Moraes, natural da freguesia de Madalena, em Lisboa, ajudante da praça de Moura e dona Clara Josefa de Moraes, natural de Campo Maior, também no Alentejo; neto paterno de Antônio da Silva Moraes, natural da freguesia de Madalena (Lisboa) e de sua mulher Domingas Rodrigues; neto materno do capitão Pedro Vivas Pereira de Moraes e de sua mulher Francisca Pereira da Mota, ambos naturais da referida vila de Campo Maior, no Alentejo.

Foi nessa antiga povoação natal que Antônio José Moraes Durão, estudou as primeiras letras, depois frequentando a Universidade de Coimbra, onde matriculou-se em 1º de outubro de 1744, na cadeira denominada Instituta, pré-requisito necessário para o ingresso no curso superior. No ano seguinte frequenta a Faculdade de Cânones e em seguida a de Leis, onde forma-se em 20 de julho de 1755 (PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/D/001734; PT/TT/MCO/A-C/002-001/0027/00014).

Antes da formatura, em 22 de outubro de 1754, na igreja de Santo Agostinho, da vila de Moura, perante o vigário da vara, Manoel Coelho Vivião, convola núpcias com a lisboeta Maria Rita Lobo de Gouveia, filha de Luís Antônio de Gouveia e dona Ana Joaquina Lobo, ambos naturais de Lisboa (ela filha de D. Antônio Alves dos Santos, capitão de mar e guerra e de sua mulher Luísa Maria Lobo). De seu consórcio, deixou seis filhos, que se habilitaram no inventário, a saber (idades em 14.2.1791, quando foi aberto o inventário): 1. Dr. José Ricardo de Gouveia Durão (34 anos, batizado em 6.4.1756, na igreja de Santo Agostinho, da vila de Moura), que fora juiz de fora na vila de Serpa e depois, ouvidor na vila do Príncipe, em Minas Gerais, nessa última tocando a obra de reedificação da capela do hospital(1805); 2. Pe. Francisco Carlos de Gouveia Durão (29 anos, batizado em 13.10.1761, na matriz de Santa Maria, da vila de Serpa); 3. Mariana Libéria Lobo de Gouveia (27 anos, batizada em 1.8.1763, na igreja de Santa Maria, matriz da vila de Serpa), que casou-se em 12.5.1784, com o sargento-mor de cavalaria Antônio Joaquim de Araújo Velasco Leite, natural da vila de Póvoa, falecido antes do sogro, em 13.2.1789, sendo o corpo sepultado na Colegiada do Salvador, que serve de catedral em Beja e deixando um filho por nome João, batizado em 9.3.1788; 4. Dr. Carlos Honório de Gouveia Durão (24 anos, batizado a 3.6.1766, na referida igreja de Santo Agostinho); 5. Leonor Bernarda Lobo de Gouveia (22 anos, batizada a 23.9.1768, na referida igreja de Santo Agostinho), solteira ao tempo do óbito do pai, depois de casada passando a assinar-se Leonor Bernarda Bravo de Vargas; 6. Pe. Amândio Bernardo de Gouveia Durão (19 anos, gêmeo de Félix Joaquim, que morreu e foi sepultado em 14.1.1787, ambos batizados em 27.3.1771, na igreja de Santo Agostinho; em 1794, justificou nobreza); além desses, existiu um filho de nome Ignácio Xavier de Gouveia Durão, subdiácono em 1780, falecendo, porém, antes do genitor, sem deixar sucessores.

Depois de formado, Antônio José de Moraes Durão submeteu-se ao processo de Leitura de Bacharéis, perante o Desembargo do Paço, em que se investigava brevemente a vida, origens e o conhecimento do candidato. Era esse exame necessário para o ingresso nos lugares de letras do real serviço. Depois de julgado apto, foi nomeado para o cargo de juiz de fora da alentejana vila de Serpa, onde serviu com desenvoltura, dando boa residência. Em seguida, serviu no cargo de auditor do regimento de infantaria da praça de Moura, onde nascera, também se desincumbindo com competência. Conforme se observa, durante o início de sua carreira nos lugares de letras do real serviço, atuou sempre na região do Alentejo, onde nascera.

Concluída essa missão vai para a cidade de Lisboa, passando a residir em casa de José Lobo d’Ávila, moço da câmara e tesoureiro da guarda real, parente de sua esposa.

Por decreto de 15 de junho de 1770, em atenção a resolução de el-rei de 14 de março, foi nomeado para o cargo de ouvidor-geral do Piauí, pelo tempo de três anos ou enquanto não se lhe mandasse tomar residência, e com expectativa de um lugar de desembargador da casa de suplicação. Na mesma época foi também nomeado para os cargos de provedor da real fazenda e dos defuntos e ausentes, capelas e resíduos, para ser exercitado em conjunto, na forma em que fora facultado aos seus antecessores (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 11. D. 630; APP. Cód. 149. P. 8/8v; Cód. 274. P. 34v-35v, 35v-36).

Concomitantemente a essa nomeação, em 2 de junho de 1770, submeteu-se às diligências habituais e foi agraciado com o hábito de cavaleiro professo da ordem de Cristo (PT/TT/MCO/A-C/002-001/0027/00014, Letra A, mç. 27, n.º 14).

Dessa forma, depois de receber todas as provisões necessárias partiu de Lisboa em direção ao porto de São Luís do Maranhão e dali para Oeiras, onde chegou a 26 de gosto de 1771, tomando posse no dia seguinte, perante o senado da câmara (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 11. D. 673; APP. Cód. 149. P. 8-8v).

Pouco mais de um mês depois de sua posse, o Dr. Moraes Durão se queixa ao rei da pequena remuneração dos ouvidores e da perda de uma comissão que recebiam desde a criação da ouvidoria do Piauí, quando saíam no exercício de correições pelas vilas. E pede uma solução, pois sem o retorno dessa comissão ou aumento da remuneração era impossível ao ouvidor efetuá-las. Justifica essas correições para orientar e fiscalizar a ação dos juízes ordinários, que muitas vezes deixavam de realizar suas atribuições a contento, seja por ignorância da lei, medo, amizade, parentesco com os réus, ou por outras razões. Submetido o pleito ao conselho ultramarino, pede este o parecer do ex-ouvidor Luís José Duarte Freire, que em seu tempo havia retirado essa benesse. Então, este emite parecer desfavorável ao pleito e ainda demonstra irritação pelo fato de Durão ter dito em seu petitório que ele só fizera duas correições em nove anos. Demonstra o contrário, que fizera todas, à exceção do ano de 1760, quando estivera empregado pelo espaço de quase seis meses, na remessa par a Bahia dos regulares e no inventário e sequestro de seus bens. Diante desses fatos, o conselho ultramarino acata o indicado parecer e o rei, por carta régia de 9 de julho de 1772, proíbe tal comissão e recrimina a ambição do ouvidor em querer repetir o abuso trilhado por outros que o antecederam, com protestos e graves prejuízos dos povos.

Durão também arguiu um conflito positivo de jurisdição sobre a remessa de criminosos, apelações e agravos oriundos das decisões da ouvidoria piauiense. Pela carta régia de 30 de junho de 1712, que autorizou a criação da vila da Mocha e ouvidoria do Piauí, ficou determinado que das decisões dos juízes do senado da câmara se agravaria para o ouvidor; e das sentenças deste, para a Relação da Bahia, por ser mais próxima do Piauí. Entretanto, sem revogação desta ordem, pelo alvará de 18 de janeiro de 1763, que criou a Real Junta das Justiças Criminais do Grão-Pará, Maranhão, São José do Rio Negro e Piauhy, se determinou que fossem para ela enviados esses recursos. Entendia o novo ouvidor do Piauí, que deveriam os recursos serem enviados para a Bahia, onde era mais fácil o acesso e o tribunal tinha mais estrutura para os julgamentos, com muitos e circunspectos ministros. Todavia, esse pleito não foi acatado pelo conselho ultramarino.

Sobre esse assunto, por carta de diligência e ordem datada de 8 de julho de 1773, aquela corte afirma que o ouvidor Durão não observou a Lei de Polícia, e nem fez observar pelos demais juízes, sentenciando as causas criminais dos réus. Por essa razão, ordena-lhe que não mais o sentencie, mas preparados os processos com a respectiva defesa, faça-os remeter ao juiz relator da mesma Junta, que o sentenciará, conforme preceitua a referida lei. Contudo, ao invés de cumprir essa determinação superior, Durão suspende provisoriamente sua execução. E faz ver ao governador do Pará e general do Estado, João Pereira Caldas, a impossibilidade de sua execução. Segundo ele, por se opor a diversas outras ordens e também a uma antiga carta régia em que el-rei determinou que o ouvidor do Piauí conhecesse das apelações e agravos que saíssem dos juízes, não se aplicando a Lei de Polícia, que era restrita à corte. Em seguida formula várias dúvidas obstativas de sua execução.

No entanto, sem maiores delongas o general do Estado manda cumprir de imediato aquela ordem e ainda recrimina o ouvidor pela contumácia. Este acata essa determinação, mas formula vários pleitos à corte, pedindo sua reforma (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 12. D. 714).

Continuava o problema da falta de demarcação das sesmarias, algumas nem sequer confirmadas, cujos limites imprecisos geravam abusos e desinteligências. Um pequeno número de sesmeiros possuía excessiva quantidade de terras ociosas, muitas delas sem carta de concessão ou de confirmação, além de dominarem mais do que garantiam as concessões existentes. A situação foi agravada pelo abuso dos sesmeiros que, além de não cultivarem a terra, impediam que também o fizessem os posseiros, resultando na falta de víveres, carestia e penúria. Contra esse estado de coisas se levantou por mais de uma vez o provedor da real fazenda, Antônio José de Moraes Durão, demonstrando que a inércia prejudicava o desenvolvimento da capitania. Lamentou que a provisão de 20 de outubro de 1753, baseada nas resoluções do conselho ultramarino, de 11 de abril e 2 de agosto daquele ano, tenha sido suspensa sem execução enquanto não fosse concluída a carta geográfica do engenheiro Henrique Antônio Galuzio, isto por determinação da secretaria de Estado, de 19 de junho de 1761. Para cessar o fundamento das demandas, mandava aquela que se anulasse, cassasse e abolisse todas as datas, ordens e sentenças expedidas ou proferidas por ocasião das contendas e litígios e fossem as terras dadas a quem as cultivasse. Por essa razão, desde o momento em que tomou posse dos seus respectivos cargos insistiu em levar a cabo a demarcação das sesmarias de sua jurisdição.

Porém, esse pleito sofreu oposição do governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, que com ele vinha incompatibilizando-se. Em correspondência datada de 20 de novembro de 1771, ao secretário Martinho de Melo e Castro, adverte que essa pretensão do provedor é fruto de razões menos refletidas, pois essas demarcações fariam sem dúvida a ruína da capitania, como em outro tempo experimentaram seus moradores, ainda agora sofrendo as consequências, tanto pelas excessivas despesas quanto por prejudicar antigas e legítimas posses de sítios, roças e fazendas havidas a título precário, porém, sem controvérsia. Acrescenta que a demarcação da terra para logradouro das câmaras das novas vilas, quando fosse procedida, deveria ser pela justiça das respectivas vilas e não pelo provedor da real fazenda, para diminuir as despesas. Mais tarde, em correspondência de 28 de julho de 1772, ao marquês de Pombal, o governador reformula seu pensamento, admitindo a necessidade da demarcação das sesmarias, porém, indicando duas condições: primeira, que as despesas não fossem custeadas pelos moradores do Piauí, em razão de serem pobres, não podendo arcar com os excessivos gastos sem comprometer seu patrimônio e a contribuição do real fisco; segunda, que fosse designado um provedor especial para fazê-las, pois o do Piauí não tinha tempo para fazê-las, dadas as suas muitas atribuições. Por aí se ver que o governador estava enredado em questões pessoais, desejando contrariar o provedor da real fazenda e, assim, privá-lo de receber emolumentos pelas tais demarcações. Note o leitor que aqui estão nascendo as facções ou partidos de interesses que irão agravar-se e caracterizar a capitania até o final de sua existência (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 11. D. 672, 675, 678; Cx. 12. D. 690).

Com a nomeação de dois sargentos-mores (auxiliar e ordenança), inclusive um chegou a Oeiras na mesma comitiva dele ouvidor, foi determinado que fossem eles pagos pelos rendimentos da câmara. No entanto, devido à falta de verba o provedor Antônio José de Moraes Durão, pediu ao senado da câmara que, depois de ouvido o povo, impusesse um imposto do contrato das aguardentes e rapaduras, sem aumentar-lhe o preço ao consumidor. Embora esses camaristas concordassem inicialmente, depois recuaram por interferência do governador, que lembrou-lhes da lei de isenção de 1761, quando foram criadas as vilas, pelo prazo de doze anos. Então, apelando o provedor da real fazenda para o general do Estado, este o autorizou à cobrança do referido imposto, sendo esse ato criticado pelo governador, em face das razões expostas, submetendo-o ao crivo do conselho ultramarino. Segundo o provedor-ouvidor, esse assunto fez crescer contra ele muitas paixões (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 11. D.685 e 689).

Conforme se pode observar, desde o início houve uma queda de braço entre o ouvidor-provedor Durão e o governador Gonçalo de Castro, que ia criar seguidores e dividir parcialidades. Segundo o ouvidor-provedor nascera essa discórdia porque o governador desejava usurpar de suas atribuições. É que desde dois anos vinha o Piauí apenas com ouvidor-provedor leigo e interino, assim acostumando-se o governador a ingerir-se em assuntos da sua pasta, modificando-se a situação com a posse de um titular letrado. O certo é que a discórdia esteve aguda, confrontando-os sob qualquer pretexto, como já tivemos oportunidade de demonstrar.

Essa situação só se acalmou com a partida do governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, para a corte, depois de concluído seu governo e posse da junta trina de governo, em 2 de janeiro de 1775. Essa junta fora presidida pelo ouvidor Moraes Durão, tendo por membros ainda o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco e o vereador Domingos Barreira de Macedo, na forma do alvará de perpétua sucessão. No entanto, em face das parcialidades iria continuar a desinteligência do ouvidor com o referido militar, público amigo e seguidor daquele ex-governador, de quem se dava por parente. Logo mais, essa querela ia inviabilizar a participação de João do Rego no governo, que as afasta dos trabalhos, permanecendo a junta por muito tempo decidindo apenas com dois membros e notório domínio do ouvidor, que passou a agir praticamente sozinho, apenas secundado pelo vereador. João do Rego não iria mais nem assinar a ata dos trabalhos, praticamente exilando-se em São Gonçalo, na administração do aldeamento indígena, onde vez ou outra era fustigado pelo ouvidor.

Nos primeiros dias do governo interino, diz o historiador Odilon Nunes: “... a rotina foi quebrada, certamente por influência do Ouvidor Durão. A junta oficia aos inspetores das fazendas do fisco, determinando que procedessem a um recenseamento dos gados, casas, currais, chiqueiros, oficinas, escravos, e demais cousas. E também autoriza o plantio de algodão e de outras culturas e ainda a seleção de escravos para aprenderem ofícios de carreiro, seleiro, ferreiro. Por intermédio da câmara de Oeiras constrange os moradores a plantar em suas roças e fazendas a rica malvácea que começava a enriquecer o Maranhão” (NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vol. 1. 2ª ed. Rio: Artenova, 1875).

Por influência do ouvidor Antônio José de Moraes Durão, em 4 de março de 1775, o governo interino extingue o serviço mensal de correios entre as vilas e a capital, que fora criado pelo governo anterior; segundo ele para evitar o constrangimento dos pobres auxiliares que conduziam as bolsas por escala, e a vexação das vinganças, a que se abriu largas portas com uns esquisitos Diáriosque vinham nos correios, elaborados pelos juízes e comandantes da capitania; também, por sua influência os oficiais da câmara pleiteiam ao rei que seja abolida a proibição estabelecida pelos capitães-generais do Estado, de que o ouvidor do Piauí concedesse cartas de seguro, causando-lhes graves prejuízos; há uma tentativa de transferir os índios guegués de São João de Sende, para outro aldeamento que seria fundado na margem do rio Parnaíba, podendo ser na foz do Poti ou no riacho Mutum; em 1º de abril de 1776, tem início a guerra contra a nação pimenteira, das cabeceiras do rio Piauí, comandada pelo ajudante Félix do Rego Castelo Branco.

Assim transcorreu a gestão de Antônio José de Moraes Durão, à frente da ouvidoria e provedorias do Piauí, assim como de seu governo interino. Dado o seu temperamento áspero e firmeza de decisões, sem se importar com as contrariedades que fomentava, foi fazendo inimizades para toda a parte. Nessa altura, o ponto mais agudo de discórdia era com o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, que contava com o beneplácito do general do Estado, Joaquim de Melo e Póvoas. E com o acirramento da discórdia, a 2 de novembro de 1777, foi pelo general do Estado decretada a destituição do cargo e prisão do referido ouvidor-geral. Essa prisão foi efetuada em 3 de dezembro seguinte, sendo o mesmo conduzido sob escolta para São Luís do Maranhão, em 17 do mesmo mês e ano. Depois dessa prisão, para justificá-la, se lhe fazem diversos capítulos de acusação, certamente a maior parte infundados, como era o costume da época. Porém, um deles foi o de ter deixado uma filha no Piauí, de nome Maria, havida com uma sertaneja, filha de um mestiço, quase pardo, Manoel de Abreu Lima, por alcunha “Caranga”.

Certamente, porque essas acusações eram fruto de intrigas, não tardou a livrar-se das mesmas, sendo posteriormente reabilitado no real serviço. Por decreto da rainha D. Maria I, de 7 de março de 1781, foi nomeado para o cargo de ouvidor-geral de Moçambique, Rios de Sena e Sofala, na África, com beca e expectativa de um lugar de desembargador do Porto. Foi, também, nomeado para exercer em anexo, os cargos de juiz da alfândega, provedor dos ausentes e defuntos e dos resíduos de Moçambique. Por força desse cargo, entre os anos 1783 a 1786, integrou uma junta de governo de Moçambique. Nesse governo interino foi construída a casa da câmara do senado de Moçambique. Mais tarde, com a chegada de titular, deixou o governo mas continuou em seu cargo, na ouvidoria-geral e mais anexos (PT/TT/RGM/E/0000/95839. RGM de D. Maria I, Liv. 9, fl. 341).

Porém, o desembargador Antônio José de Moraes Durão não mais retornaria ao reino, falecendo na capital de Moçambique, na costa da África Oriental, no ano de 1788, com cerca de 58 anos de idade. Acamado mas em plena consciência, fez testamento em 6 de janeiro de 1787, legando alguns bens à esposa e aos filhos. Pediu que seu corpo de cavaleiro professo da ordem de Cristo, fosse sepultado com todas as pompas, na igreja de São Domingos, daquela cidade. Foram inventariados os seguintes bens de raiz: uma morada de casas na vila de Moura, em que vivia a viúva, sita na Rua dos Espingardeiros, constituída de seis sobrados, uma varanda, sete casas térreas e um quintal; outra morada de casas, sita na Rua de Serpa, na mesma vila do Moura; sete geiras de olival, no sítio do Zambujal; uma courela de terras junto a Brenas, com nove oliveiras e um moinho, de que pagava foros; dezessete alqueires de trigo, de que paga foros; mais móveis, colchas, lençóis, prata, pedras, arame, cobre e estanho.

Deixou viúva e seis filhos que muito se projetaram na vida pública lusitana, entre os quais, o Dr. Carlos Honório de Gouveia Durão, ministro de Estado dos Negócios do Reino, hoje equivalente a primeiro-ministro de Portugal. Com essas notas resgatamos a memória desse magistrado e governante que deixou sua marca em nossa terra, inclusive uma importante memória setecentista denominada Descrição da Capitania de São José do Piauí (1772), trazendo oito mapas estatísticos com números de fogos, almas, fazendas e sítios da capital e das sete vilas existentes, concluindo-os com um mapa geral de toda a capitania. Discorre ainda sobre aspectos geográficos, sociais, econômicos, demográficos e criminais de cada um de seus termos judiciários, concluindo com um resumo histórico sobre a conquista e colonização do território. Por todos esses motivos merece figurar nessa galeria de notáveis.

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* A fotografia que ilustra a matéria é do magistrado e político português, Carlos Honório de Gouveia Durão, filho do biografado.

** REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br