quinta-feira, 16 de novembro de 2017

O velho cemitério do Curador

Foto meramente ilustrativa, da autoria de Elmar Carvalho

O velho cemitério do Curador

José Pedro Araújo

A idade do velho cemitério de Presidente Dutra é indefinida. Parece que os primeiros ocupantes do lugarejo escolheram aquele local distante para sepultar os seus mortos. E como não conheço outro campo santo mais antigo do que aquele na cidade, acredito que os primeiros enterrados lá remontam ao começo do século XX, ou até mesmo antes. Talvez tenha inicio naquela época também o pouco interesse em organizar aquele espaço de uma forma mais cuidadosa, planejando bem aquela necrópole e dividindo o seu espaço em ruas, alamedas, quadras e lotes, para melhor orientação aos visitantes.  Nunca vi coisa pior, mais sem organização.

O termo cemitério (Coemeterium), significa “fazer deitar”, definição para o local escolhido pelos primeiros cristãos para sepultar os seus falecidos. E esses locais, via de regra, são muito bem conservados, religiosamente respeitados, cuidadosamente planejados e, por isso mesmo, sempre prontos para a pesquisa ou mesmo para a meditação. Os pesquisadores quando se debruçam sobre a história de algum povo costumam devassar os cemitérios em busca de dados fidedignos sobre a nação estudada. E muito do que se sabe hoje, as informações que temos sobre os primórdios das civilizações, especialmente sobre os seus principais protagonistas, foram obtidas depois de exaustivas pesquisas em antigos cemitérios. É o caso das tumbas egípcias que ainda hoje contribuem com a história daquele povo a cada novo sarcófago encontrado, a cada nova catacumba descoberta.

Por sua vez, existem cemitérios tão importantes e tão visitados, como o Père Lachaise, em Paris, inaugurado em 1804, que recebe por ano mais de dois milhões de visitantes; ou o da Recoleta, em Buenos Ayres, que se transformou em um dos pontos de atração para os turistas do mundo todo que visitam a cidade argentina. A modernidade também chegou aos “campos santos”. O San Cataldo, em Modena, Itália, é um cemitério vertical, instalado em um prédio gigantesco e com muitos andares. Trata-se de um ossuário humano em que a estrutura do corpo do extinto é guardada em caixas individuais em meio a uma decoração florida e muito alegre.

Já o velho cemitério do Curador é um dos piores “campos santos” que já visitei até hoje.  Sem sombras de dúvidas, o pior, o mais desorganizado, aquele que diariamente é mais vilipendiado. Recentemente voltei lá, em datas alternadas, para realizar o sepultamento de duas pessoas muito queridas, e o encontrei imerso no caos de sempre. Mato em profusão sobre os túmulos, sujeira por toda a parte, e o velho e maior problema de todos: a falta de disciplinamento na hora de realizarem-se o sepultamento dos corpos dos falecidos. Como isso vem acontecendo ao longo de muito tempo, parece até que o local é terra de ninguém, onde cada um escolhe o espaço para o sepultamento do seu defunto ao seu bel prazer, no meio dos antigos passeios, muitas vezes uns sobre os outros, sem um mínimo de respeito com quem já ocupou primeiro aquele endereço. Não existem mais ruas para o acesso das pessoas aos túmulos localizados mais para o seu interior, obrigando o visitante a caminhar sobre as sepulturas ou saltar por cima dos túmulos mais difíceis de transpor.

Outra coisa que constatei também: não existe ninguém para informar a localização do jazigo de alguém que se pretenda visitar. Não existe numeração definida ou endereço que possa ser informado. Se você não souber a localização exata da cova de quem pretende visitar, com certeza voltará de lá sem concretizar o seu desejo.

Mas o pior mesmo é a disputa por espaço que se instalou no cemitério. Parece até que as pessoas vão cavando as sepulturas no local que bem entenderem, sem o mínimo de respeito para com quem já chegou ali antes. Nessa última visita, procurei pelo jazigo de uma irmã falecida ainda criança e não mais o encontrei. No local em que fora sepultada, alguém construiu um monstrengo a guisa de catacumba, quadrado, preto, ocupando um espaço de aproximadamente dois metros e meio por dois e meio. A última morada da minha irmãzinha Célia, antes localizado ao lado da campa que continha os restos mortais do seu avô, foi soterrado pelo desrespeitoso invasor, assim como deve ter ocorrido com outros defuntos sepultados nas suas proximidades. Meu coração, já tão abarrotado pela tristeza dos acontecimentos daqueles dias, transbordou de dor e decepção. O descaso com os nossos extintos é brutal ali.


Conto que este meu grito de revolta possa chegar aos ouvidos do nosso Alcaide, um homem sensível e ligado aos interesses da nossa coletividade, e que tem muitos dos seus sepultados no velho Cemitério do Curador. Não me refiro apenas a uma demão de cal nos muros. Mas a algo maior. Ainda é tempo de impor alguma ordem naquele pouco mais de um hectare de terra; organizar o seu funcionamento; estabelecer um gerenciamento eficiente por lá, pois os extintos cidadãos presidutrense precisam também de um bom tratamento para que possam descansar definitivamente em paz.    

Um comentário:

  1. Eis uma boa e importante reflexão. De igual forma, o Cemitério de Jenipapo / Gritador, há 12 km de Presidente Dutra, sofre dos mesmos males.

    Ribamar Silva - nascido em Jenipapo - Presidente Dutra, Maranhão e Membro da Academia Imperatrizense de Letras.

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