domingo, 15 de outubro de 2017

Histórias de Évora. Os novos voos do Poeta

Adicionar legenda

Histórias de Évora. Os novos voos do Poeta

Hércules Amorim *

Em novo rol de escritos, como sempre escancarados à crítica e imaginação de quem os lê, o escritor e poeta piauiense Elmar Carvalho nos leva agora a uma viagem de retorno a nossos primórdios, colocando em capítulos a forma, tonalidade e expressividade já demonstradas em outras obras de sua verve.

Trata-se de Histórias de Évora, a cidade imaginária onde personagens vivem intensamente os períodos mais belos e conflitantes -  ora felizes, ora tristes e mesmo hilários - das suas formações comportamentais e, principalmente, humanas. São histórias e estórias da pré até perto da pós-adolescência de jovens que não se contiveram em apenas ver a vida passar, mas colocaram nela molho apimentado, fatos e acontecimentos que, vivenciados, nos trarão à boca o licor da saudade.

Não dá para dispensar observação singular ao estilo. Constatar que Elmar alguma vez passou pelos bancos da escola Parnasiana, embora, modestamente, não se aprofunde ou guie-se pela construção fidelíssima de textos buscados e rebuscados. Por isso, a fazer aquilo que se torna pura expressão do antagonismo latente entre dois movimentos literários de peso: cai não só na linguagem bem apurada dos plenos sentidos, mas também no Romantismo, aliás bem apropriado à época em se desenrolam as histórias de sua fictícia – e tão concreta – Évora.

Elmar, à certa altura, nos deixa confusos sobre o personagem que ele próprio encarna. Mas no conjunto, fica evidente o que mais o retrata, especialmente para os que trafegam no seu cotidiano literário e no seu cotidiano de cidadão simples, mas, não raro, meticuloso. Os textos, com esmeradas narrações, deixam patente o simbolismo e sonoridade das palavras, como se cada uma represente uma imagem, uma foto. Não poderia ser diferente. Se em alguns parágrafos o leitor estranhar um possível exagero da forma, para melhor deduzir o conteúdo leia ou releia José de Alencar e veja se seria possível descrever a silhueta da Virgem dos Lábios de Mel sob a luz da lua cheia com apenas dois ou três adjetivos, e sem nenhum superlativo.

Os escritos, vezes eruditos, em Histórias de Évora, são colocados com o objetivismo ou a subjetividade necessários à narração dos eventos picantes, trágicos ou tragicômicos que vivenciaram seus protagonistas. São eles quase sempre sedimentados numa paixão efêmera ou naquele amor que de tão significativo tornou-se quase eterno, para eles e para nós, leitores. Podem se materializar à vontade no Marcos Mendes Azevedo, no Mário Cunha, no Fabrício e amigos, cada qual com sua personalidade e seu modo de se comportar nas histórias da cidade que, em determinado ponto, percebe-se, se compõe numa ampla faixa de terra sertaneja.

Como em toda obra de estrutura segmentada, alguns capítulos ou narrativas levam à preferência.  Como leitor, indico singular atenção ao “Dono do Céu” - com sua pernóstica lourinha, filha, pra variar, de um abastado comerciante -; o “Lendário Zé Lolô” - em sua indescritível feiura –; a “Balzaquiana”, de farta e bela memória –; e o impagável último “ Voo do Pardal”, se é que houve algum anterior.  Se houve ou não, fica para outra história, possivelmente em outra encarnação. Certo é que espocou manchete em “A Batalha”, periódico eborense, a despeito de que ainda hoje não se tenha notícia sobre a real situação e o quê de fato está por trás do mistério envolvendo o genial Eugênio, audaz criador de engenhocas que lhe carimbaram o apelido de “professor Pardal”, mais tarde somente Pardal.

Ademais, bebam, degustem e curtam o que de melhor nos revolve aos tempos da meninice e juventude por vezes sofridas, mas sadias, cheias de traquinagens, descobertas, namoros, flertes fortuitos, alegrias, saudades e gradual apuração da sexualidade. Tudo isso nos contando como eram diferentes os interesses dos jovens de há mais de três décadas, em particular a paixão pela leitura e o bom uso da palavra.

Que todos os leitores se instalem na sua própria Évora. E que Elmar Carvalho prossiga em suas viagens, sempre nos trazendo boas novidades.


* Hércules Amorim é jornalista  

Nenhum comentário:

Postar um comentário