sábado, 12 de março de 2016

O céu está no chão


O céu está no chão

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

          Sentado na poltrona do avião que decolava, eu me grudava à janelinha, friozinho de medo na barriga. Contemplava Teresina, cheia de sol e de adeus. Rios Poti e Parnaíba, pontes Estaiada, Wall Ferraz, os carros cruzando avenidas, altos edifícios, tudo se reduzindo a miniaturas. A sensação de deixar minha gente para trás, voar às esferas celestes, sobre nuvens, o espírito libertando-se deste mundo, em fôlego de oração. 

As alturas têm dessas coisas: a gente se desliga do lado debaixo e extasia-se no transcendental. Profetas, monges e eremitas de todas as crenças refugiavam-se no alto das montanhas, para se encontrar na presença divina. Se vivessem na era do avião, certamente o vislumbraria nas brumas e nuvens.

A Bíblia relata que o profeta Elias entrou na presença de Deus, meio à brisa do Monte Carmelo, 1.400 metros de altura, e. tempos depois, foi arrebatado aos céus, numa carruagem de cavalos alados e incandescentes. Moisés recebeu os dez mandamentos, no Monte Horeb (Sinai), 2.300 metros, e desceu translúcido. Jesus resplandeceu no Monte Tabor, 600 metros, e dialogou com os profetas Moisés e Elias, que viveram centenas de anos antes. Seus discípulos, Pedro, Tiago e João, encantados com a sublime transfiguração, não queriam mais descer o Tabor e voltar à realidade, aqui embaixo. Astronautas contam histórias fantásticas experimentadas no espaço.

Padre Tony Batista, na reflexão sobre a transfiguração de Jesus, adverte fiéis para não se prenderem, demasiadamente, ao mundo contemplativo das alturas, como os três apóstolos do Tabor, negligenciando suas obrigações aqui no mundo. É que o céu também está aqui e carece da nossa participação na construção da sociedade. “O reino dos céus está dentro de vós”, maravilhosa frase de Cristo.

Três dias depois, retornava de Fortaleza. Daí a alguns minutos, a voz do comandante:“Preparem-se para aterrissagem... Apertem o cinto... Permaneçam em posição vertical... Teresina, bela tarde de sol...”

Teresina mais próxima de mim, sem miniaturas e distâncias, convidando-me para mais uma jornada de trabalho. Até que, um dia, outro avião, definitivo, me leve para espaços infinitos, e não mais voltar. Por enquanto, contento-me com a minha gente, minha cidade, abraçados, cantando a belíssima canção e letra, DOIS RIOS, de Nando, da banda Shank: O céu está no chão/O céu não cai do alto.../ O céu que toca o chão/ E o céu que vai ao alto/ Dois lados deram as mãos/ Como eu fiz também/ Só pra poder conhecer/O que a voz da vida vem dizer/Que os braços sentem/ E os olhos veem/ Que os lábios sejam/ Dois rios inteiros/ Sem direção.../E o meu lugar é este/ Ao lado seu, no corpo inteiro/ Dou o meu lugar/Pois o seu lugar/ É o meu amor primeiro/O dia e a noite, as quatro estações.    

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