quinta-feira, 12 de novembro de 2015

MINHA SAUDAÇÃO A DÍLSON E A BARRAS

A velha igreja de Barras
A velha igreja de Barras

12 de novembro   Diário Incontínuo

MINHA SAUDAÇÃO A DÍLSON E A BARRAS

Elmar Carvalho

Com certa surpresa recebi o convite do professor, poeta e escritor Dílson Lages Monteiro para proferir o discurso de recepção em sua posse na Academia Piauiense de Letras. De imediato, embora com certa apreensão pela responsabilidade que me caía sobre os ombros, lhe disse aceitar o desafio.

A partir de então comecei a meditar sobre o modo como organizaria minha peça oratória; que assuntos deveria abordar, e como faria a sua distribuição na abertura ou introdução, no corpo principal ou desenvolvimento dos temas e no encerramento, que se deseja forme uma “chave de ouro”, como na estrofe final dos bons sonetos. Passei a ler e/ou reler a sua obra poética e em prosa, de forma meditada e com breves anotações.

Já tinha experiência em discursos acadêmicos de posse, mas não de recepção. Quando assumi minhas cadeiras nas academias de letras de Parnaíba, do Vale do Longá, de Piripiri e na Piauiense, fiz discurso formal escrito, em que tentei seguir a mais consolidada praxe na espécie. Nas demais, discursei ao sabor de improviso, ou sequer precisei discursar, por ser sócio fundador.

A exemplo do que fiz (ou pelo menos tentei fazer) em minhas orações acadêmicas anteriores, procurei dar ao texto beleza e emoção, plasticidade e certa leveza. Contudo, logo notei que em discurso de posse o orador tem mais liberdade, exceto na obrigação estatutária de falar nos antecedentes e patrono, ao passo que a saudação ao novel imortal não se pode deixar de lhe fazer o elogio, de se lhe examinar a obra literária, e de se referir aos antecedentes e patrono da cadeira a ser ocupada.

Como Dílson é filho de Barras e a sua poesia e romance se reportam a essa cidade, e também considerando que muitos de meus ancestrais paternos nasceram nesse torrão, no qual estive várias vezes, em minha infância e na minha adolescência, por ocasião de minhas férias escolares, resolvi fazer rápidas referências à rica história dessa aprazível, bela e simpática urbe. Não fosse isso tudo razão suficiente, ela deu ao Piauí importantes políticos, escritores e poetas, muitos dos quais patronos ou ocupantes de cadeiras na APL.

Em meu discurso, dei ênfase à obra magisterial, poética e romanesca de Dílson Lages Monteiro. Examinei-lhe a metodologia no ensino de redação, mormente as suas peculiaridades. Abordei as principais características e virtudes de sua poemática. Analisei o romance O morro da casa-grande, detendo-me nos pontos que julguei mais relevantes e singulares. Procurei fazer essas dissecações da maneira menos técnica possível, mas sem ser simplório, e sem enveredar por meros comentários de obviedades.

Ainda que em rápidas pinceladas, nele tentei traçar um sintético painel da história, da paisagem e da arquitetura da velha cidade. Não o transcrevo por ser um tanto longo para um simples registro diarístico como este, e também porque já foi publicado na internet, mas acho oportuno transpor alguns trechos mais pessoais e direcionados para a nossa nunca assaz louvada Barras do Marataoã:

“(...) Esta noite engalanada, portanto, vai ser uma festa barrense, e veremos aqui perpassar o reflexo dos vultos históricos da velha Barras do Marataoã, dos seus grandes poetas mortos, e ouviremos o murmúrio dos rios que lhe formam as barras, de onde lhe veio o telúrico e poético nome. Nesta Casa sentimos ainda a forte presença do barrense A. Tito Filho, seu presidente por mais de 20 anos, que acolheu e orientou o novel consócio com generosidade, quando ele ensaiava os primeiros passos na literatura.

Quando um afoito amigo quis escrever um artigo, no qual pretendia retirar de Barras o seu justo título de Terras dos Governadores, adverti-o para que não o fizesse, porquanto estaria laborando em vexatório equívoco. Por essa razão escrevi a crônica ensaística “Barras – terra dos governadores e de poetas e intelectuais”, a que em seu desenvolvimento acresci “e de marechais”, para afastar de vez futuras ousadias similares. Essa crônica teve ressonância no intelecto de Chico Acoram Araújo, a quem dei o título de cacique da tribo dos Marataoãs, que vem escrevendo uma série de estudos sobre barrenses ilustres, além de ótimas crônicas e artigos (...)

(...) Sinto como se tivesse lembrança desse Cristo, que vi em minha meninice, com os seus braços abertos, em acolhimento aos que chegavam, e a abençoar a cidade e os que partiam. Era uma bela e vetusta igreja em estilo colonial, construída por José Carvalho de Almeida, e destruída em 1963, como era um vezo dos padres da época, que gostavam de ampliar, reformar, descaracterizar ou demolir as velhas capelas e igrejas. Ao comentar o excelente livro Barras, histórias e saudades, de Antenor Rêgo Filho, a ela me referi, e remontei à ermida de N. S. da Conceição (que lhe antecedera), iniciada por Miguel de Carvalho e Aguiar, em sua fazenda Buritizinho, e concluída por seu herdeiro e sobrinho Manoel da Cunha Carvalho; essa capela e a casa-grande são a origem mais remota da cidade das sete barras, como a designei em poema telúrico e evocativo. (...)

(...) Por entre as páginas desse belo romance, vemos ainda os velhos sobrados, os casarões solarengos, os logradouros e praças de outrora, vetustos edifícios públicos, como o do teatro e o dos Correios, e lamentamos a destruição do antigo cemitério, cujas lápides contavam muito da importante história barrense.

Quando eu ia a Barras, me hospedava na casa de Salomão de Sá Furtado, primo de meu pai, que ficava bem perto desse saudoso campo santo. Salomão, além de exímio operador de morse, tinha uma linda caligrafia, e uma não menos bela redação. Era um estilista e tinha uma pequena biblioteca, caso raro, ainda nos dias de hoje. A poucas quadras de sua casa ficava o Marataoã, em cujas águas nadei em minha adolescência, onde me embebi embevecido nos olhos luminosos das garotas, que refletiam suas águas, feitas de ciganice e magia.

Dílson Lages Monteiro me comoveu, e me restituiu a velha e querida Barras de minha infância e de minha adolescência, que na redoma de minha memória ainda remanesce intacta, com a sua vetusta igreja, com o Cristo Redentor de braços abertos entronado no cimo de seu frontispício (...)”

Finalizando, desejo dizer que a posse de Dílson foi uma belíssima festa literária. A solenidade aconteceu no dia 10 de outubro, à noite, no auditório da APL. Compuseram a mesa: Nelson Nery Costa (presidente da APL), desembargador Oton Lustosa (rep. do TJPI), Antônio Pedro Almeida Neto (presidente da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL), Dílson Lages, Aldaires Pereira (esposa do novel acadêmico), acadêmico Magno Pires, Renaud Hardi (filho do poeta Hardi Filho, último ocupante da cadeira) e este cronista. Ele proferiu um excelente e aplaudido discurso, em que analisou com pertinência e argúcia seus antecedentes e patrono; nos comoveu e nos trouxe beleza retórica, mormente nos momentos em que a oração adquiriu contornos de uma verdadeira prosa poética.

Foi prestigiado por seus conterrâneos, parentes, acadêmicos da APL e da ALVAL, e amigos, entre os quais me incluo. O auditório estava lotado e o coquetel foi farto, variado e delicioso. Que mais dizer? Nada mais há a dizer.   

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