terça-feira, 30 de junho de 2015

ANOS 60


ANOS 60

Antonio Reinaldo Soares Filho

Nos encantos dos tempos dourados
 Vivemos os anos sessenta deslumbrados.
A inocência partilhando das emoções.
O respeito ordenando o arrebatamento,
E a esperança vislumbrando a certeza.
A mocidade se preparando para o porvir,
Medos, a insegurança reprimida, sonhos...
No ar sopravam ventos carregados de magia
Misturavam-se ingenuidade, encantamento, alegria,
E o sol brilhava intensamente nas manhãs de domingo.
A cidade pequena com pouca iluminação pública,
Namoros escondidos por trás do cine, do parque infantil, beco do círculo...
Pelas telas dos filmes semanais,
Pelas ondas dos rádios e jornais,
Nos eram mostrados os acontecidos pelos nossos ídolos.
Oeiras, pontos de encontros da juventude, O Café Oeiras, Passeio Leônidas Melo, o Oeiras Clube.
As mocinhas a saborear sorvetes inesquecíveis
Com o frescor dos seus primeiros anos,
Lindas, perfumadas, botões em fl or a desabrochar.
A rapaziada mostrando-se senhores,
Marcavam espaços pela fragrância da brilhantina.
Uma camisa ban-lon, uma calça foroeste,
Uma cuba libre na mão, à espera do flerte.
Os balaústres da muralha do amor,
Estação derradeira de sonhos realizados.
Aquarelas de um tempo
As inesquecíveis tertúlias dançantes.
Bailavam-se com rostos colados, delirando, Velhos sambas canções e boleros latinos.
O twist e o rock encantando com Diana e Oh! Carol...
A bossa nova refi nada e a jovem guarda idolatrada.
Serenatas em noites enluaradas
 O violão dedilhando poesias românticas
Declarações subjetivas de paixões embriagadoras.
 Compartilhávamos felizes os sonhos da primavera,
Uma necessidade incontida de viver intensamente.
Tempos maravilhosos, eternizados pelas lembranças.
Foi assim a Oeiras de minha adolescência.  

domingo, 28 de junho de 2015

Seleta Piauiense - Rodrigo M. Leite


do dia que nunca vi Cecília

Rodrigo M. Leite (1989)

quando pensei em Cecília
a primeira vez
ela
ainda não existia
andava eu por aí, carregado
da necessária tristeza
ziguezagueando fogo nas calçadas
cidade desmoronando terraços vizinhos
quando pensei em Cecília primeira vez
só a palavra Cecília enfurecia
o seu nome ecoando na quentura
Cecília, Cecília... (mulheres!)
inaugurou este poema     

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Na mesma situação do Velho Lima


Na mesma situação do Velho Lima
           
Cunha e Silva Filho


         Não sei se o leitor mais velho se lembra do personagem  de um conto  de Artur Azevedo (1865-1908), o Lima, funcionário  público do  final do  Segundo Império, que, tendo adoecido gravemente,   embora   não tenha procurado  a ajuda médica, permaneceu em casa durante nove dias, ou seja, a partir da véspera da Proclamação da República  brasileira, acontecida em 15 de novembro de  1889.
       Lima morava no Engenho  de Dentro, subúrbio da ex-Central do Brasil. O tom do conto é inteiramente farsesco e construído  com  extrema  habilidade narrativa.
      Restabeleceu-se   com  simples  “remédios  caseiros,” graças aos cuidados de uma  gorda   mulata que há vinte anos  lhe servia  não só como  cozinheira, mas também  na cama.  No dia 23 do citado mês, Lima   saiu de casa, pegara o trem e fora  trabalhar na sua repartição no Centro do Rio de Janeiro. 
     Para resumir,  Lima não tinha  o costume de ler jornais, nem tampouco aquela  com quem morava.  A República tinha sido proclamada  e, portanto,  derrubado o Império. E o velho Lima  ignorava a radical mudança  do regime  de governo do país.
    Durante a viagem, encontrou-se com  o comendador  Vidal, cumprimentando este pelo  título. Ao responder a saudação, o velho Lima estranhou que Vidal o  tivesse chamado de “cidadão.” 
   A grande  força  caricaturesca do conto  é esse diálogo com o Vidal  e  a permanência  desse estado de quiproquó  que se estabeleceu entre ele o  Vidal.  Lima  passou a  achar    pelo avesso  tudo que lhe respondia o companheiro de viagem de trem.
    Esta situação  equívoca chega a um  ponto em que  o velho Lima  passa a ver nos outros    um comportamento   de loucos. Enquanto  tudo se invertia, Lima  se mantinha convicto  de que ainda  vivia  sob o regime  imperial.   
   Ninguém o conseguia demovê-lo dessa  posição até o desenlace  da narrativa, cuja derradeira cena hilariante fora  a entrada na seção em que  dava expediente. Perguntou ao continuo por que haviam    retirado da parede o retrato de Dom  Pedro II. O contínuo, de forma  desrespeitosa  e  num “tom  lentamente “desdenhoso,”  lhe respondeu:
 “— Ora, cidadão,  que fazia ali a figura de Pedro Banana?”(grifo meu)
“—Pedro Banana! Repetiu  raivoso o velho Lima.” E, sentando-se, pensou com tristeza:
“—Não dou  três  anos para  que isto seja República!
  Pelo visto,  o velho Lima  acertara, mas a um alto  custo de três  anos  de risos e mofas por sua alienação.
     Pois, leitor,  foi assim que, hoje,  lendo  manchetes de O Globo, constato,  após algumas semanas  mergulhado num  projeto de um livro  de memórias, que o país anda   de ponta cabeça. O que vejo: violência descomunal  no Rio de Janeiro e em outras  partes do país,    arrocho do  governo  federal  contra o povo, situação caótica da Universidade  Estadual do Rio de Janeiro,  crescimento do desemprego,   aumento de juros   decretados pelo  governo federal,  ausência do  Ministro da Fazenda para anunciar  os  escorchantes   cortes   em setores  vitais  ao desenvolvimento do país,  educação,  saúde,  transporte, excetuado  a menina dos  ovos de ouro do  PT,  a bolsa-família  - maior  curral eleitoral  petista e, o que é pior,  em ações  tomadas pelo governo, no setor da economia,  que recairão  sobre os costados  do brasileiro.
    Me  pergunto: ainda não se tocaram  as nossas   autoridades que todos  esses  graves  problemas  que estamos atravessando  foram  provocados  pelo  desgoverno petista que nos enganou a todos,  ocultando,  por razões meramente  eleitoreiras a fim de se manter no  poder, que, nos bastidores  do Palácio do Planalto  estavam prestes a explodir  todas  essa bombas  atiradas contra  o  Estado  Brasileiro,  com dois  sucessivos epicentros   de  corrupção  deslavada, o escândalo do  Mensalão e o  da Petrobrás além de outros  que poderão surgir durante  mais  investigações da  Operação  Lava-Jato? 
    Já avaliaram  todos  os bilhões de reais que deveriam  estar  no Erário Público e que  foram  sugados  para os bolsos  de políticos  da situação e de dirigentes  de estatais e empresários    corruptos em conluio com  políticos de partidos  da base de sustentação do governo?
     E o povo nada faz. E a Justiça   até quando   fará  justiça  colocando na cadeia  ladrões da  República? O povo  é como  o brasileiro  que não lê jornais, como  o personagem Velho Lima de Artur  Azevedo, como a sua  serviçal e amásia.
     As raízes da nossa passividade  vêm de longe,  desde a Escravidão, pelo menos. Não imitemos  o velho Lima, estejamos  atentos aos fatos  atuais, lendo, ouvindo, falando,  escrevendo, agindo como cidadãos a quem  a Presidente  Dilma deve satisfações de seus atos   e de seus  erros. Não somos  escravos,  objeto comprado  pelos  poderosos do passado. Queremos liberdade, mudanças  da lei  da maioridade  penal e outros  pleitos  necessários  ao bem-estar  da sociedade.
   Não permitamos que o país  se torne uma tragédia  social, com a morte de inocentes em “cidades esfaqueadas” para usar um título de uma crônica  de Arnaldo Bloch. Por falar em crônicas,  a página de Opinião de O Globo de hoje, dia 23 de maio,  estampa dois artigos sobre a violência, um do cronista Zuenir  Ventura, de resto,  para ser mais  exato, uma  crônica  magnífica,   “Há sangue em cada notícia,” e um artigo,  “A violência do teste de virgindade,”  escrito a quatro mãos, de  Maria Laura Canineu e Phelim Kine. 

  O país precisa  despertar os velhos Limas  para  a realidade trágico-grotesca  que nos angustiam  atualmente por todos os lados.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

MESTRE CHICO E A LITERATURA DO PIAUÍ

Membros do Jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos, vendo-se, da esquerda para a direita, no 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Danilo Melo, Francisco (Neco) Carvalho, Diderot Mavignier, Franzé Ribeiro, Sólima Genuína, Bernardo Silva, Reginaldo Costa e Paulo Martins; 3º plano: Jonas Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho e Flamarion Mesquita. Percebe-se, nesta fotografia, a felicidade dos retratados com esse reencontro, posto que vários moravam em outros estados e municípios. Hoje, a maioria já não reside em Parnaíba. Os literatos desse grupo são todos da Geração Marginal ou 70.

25 de junho   Diário Incontínuo

MESTRE CHICO E A LITERATURA DO PIAUÍ

Parte II

Elmar Carvalho

Ao longo de muitos anos pude constatar que o poeta Francisco Miguel de Moura foi um grande pesquisador, tanto da história de nossa literatura como também de teoria e novos recursos da linguagem literária. Percebi que ele tinha a mente aberta às mais diferentes propostas e soluções. Sem ser propriamente um cerebralista, nos moldes de um João Cabral de Melo Neto, escravo do trabalho e da “transpiração”, buscou sempre as inventividades e as coisas boas da chamada vanguarda.

Nesse aspecto, poderia dizer que, em muitos textos e em algumas de suas fases, foi um experimentalista, na busca incessante da renovação do seu fazer literário, tanto na prosa como na poesia. Creio que talvez ele tenha sido o primeiro (ou pelo menos um dos pioneiros) a utilizar os postulados do concretismo no Piauí, mormente com a prática do verbi-voco-visual. Nesses textos fez uso de um discurso contido, mas com a observância da sonoridade das palavras e da visualidade ou disposição das palavras na página em branco, por vezes formando uma espécie de carmen figuratum. Mas sem descurar do conteúdo, de que sempre foi cioso.

Fora a sua contribuição pessoal, escrevendo os seus textos e publicando os seus livros, foi também um notável editor, que teve o desprendimento de publicar contos, crônicas e poemas alheios. Foi o primeiro a publicar uma antologia de contos, na qual reuniu os mais importantes ficcionistas da época, que depois se firmaram em nossa literatura de todos os tempos. Essa obra coletiva foi intitulada Piauí: terra, história e literatura (1980), em cujo texto introdutório o seu organizador (FMM) esclarece:

“A aparição dessa primeira antologia ou seleção da história curta, no Piauí, mostra o quê? Até então ninguém tinha pensado nisto, ou, se pretendeu realizar, não pôde transpor os obstáculos. Mostra que – tento responder – a literatura em prosa existe, entre nós, como em poesia. Sendo pioneira, é por esta reunião que, no futuro, se aquilatará documentariamente o esforço de duas gerações. E suas pequenas mas válidas conquistas. Aqui temos uma ideia do enfoque do homem piauiense, através da ficção miúda.”

Publicou, durante sete anos (1977-1984), a revista Cirandinha, num total de dez números. Esse importante periódico literário acolheu diversos autores piauienses, divulgando-lhes os poemas, os contos, as crônicas e outros textos. Cirandinha também publicou entrevistas e depoimentos de intelectuais do Piauí e do Brasil, como Celso Barros Coelho e Ferreira Gullar. Eu mesmo tive a satisfação de ter sido colaborador de um dos seus números, tendo um de meus poemas sido estampado numa de suas páginas, quando eu ainda era um bisonho poeta interiorano.

Publicou ainda, sob a forma de encartes, importantes obras de nossa literatura, como a novela Amarga Solidão, de O. G. Rego de Carvalho, e a peça teatral Reino do Mar sem Fim, de Francisco Pereira da Silva, campomaiorense, um dos maiores teatrólogos brasileiros. Além disso, a revista publicava notícias literárias e tinha uma postura combativa contra a ditadura militar, de maneira especial contra as eleições indiretas e a censura.

Nos anos 1990, Chico Miguel, na qualidade de presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, continuou em sua vocação de editor. Como se estivesse involuntariamente lhe seguindo as pegadas, durante quase cinco anos fui o editor e presidente do Conselho Editorial dessa Fundação. Tive a oportunidade de contribuir para a publicação de importantes livros, entre os quais a primeira edição de Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz, A poesia piauiense no século XX (FCMC/Imago), antologia organizada por Assis Brasil, e o monumental Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, que consumiu 30 anos de pesquisa de seu autor Cláudio Bastos. Durante meu período, a importante revista literária e cultural Cadernos de Teresina foi publicada de forma regular. A cada quatro meses, essa revista e vários livros eram lançados em verdadeira festa literária. Esforcei-me para que Cadernos de Teresina tivesse uma boa programação visual e para que os livros tivessem bonita capa e fossem bem editados.


Como todos reconhecem, Chico Miguel, em sendo talvez o último polígrafo do Piauí, é também um importante crítico literário, graças a seus estudos acadêmicos e esforço pessoal contínuo. Já deu provas disso através de vários textos e livros, sobretudo da obra em que analisou e interpretou a romancística de O. G. Rego de Carvalho. Coroou esse mister literário quando publicou a primeira edição de Literatura do Piauí.

Agora, como uma enorme contribuição à literatura piauiense, a editora da Universidade Federal do Piauí (EDUFPI) lhe publica a segunda edição, revista e aumentada. A obra traz um volume de informações muito grande. Enfoca os grandes autores do passado e os que estão se firmando no presente. Em sua reconhecida franqueza e sinceridade, não faz concessões às amizades pessoais.

Em sua didática organizacional, optou por dividir a nossa literatura em gerações, de acordo com os critérios adotados, e devidamente explicitados nos textos que antecedem cada grupo, nos quais são feitos o histórico e análise de cada geração. São estudados, sobretudo, os literatos, em sentido estrito, mas também são incluídos os principais historiadores, dramaturgos e críticos literários.

Podemos dividir didática ou esquematicamente o livro nas seguintes partes: Teoria, Gerações Históricas, Modernidade, Atualidade, A Crítica e Antologia da Crítica. No segmento Gerações Históricas incluiu três gerações e mais o modernismo, neste abrigando os poetas que tangenciaram o modernismo, ou que o praticaram de forma esporádica ou tímida, ou apenas circunstancialmente. Essa escola, como FMM reconhece, só chegou ao Piauí tardiamente. Considera José Newton de Freitas como sendo o verdadeiro introdutor do verso moderno em nosso estado.

Em “Modernidade”, após concluir na parte teórica, com o crítico Wilson Martins, que depois do Modernismo não mais existem escolas literárias, mas apenas movimentos, incluiu três gerações: a Meridiano (da qual foram referidos M. Paulo Nunes, Afonso Ligório Pires de Carvalho, O. G. Rego de Carvalho, A. Tito Filho, Fontes Ibiapina, Assis Brasil, Álvaro Pacheco e H. Dobal), a do CLIP (da qual foram principais representantes Francisco Miguel de Moura, Hardi Filho, Herculano Moraes e Magalhães da Costa) e a Marginal (também conhecida como Geração 70 ou do Mimeógrafo). Estuda os principais membros dessas gerações. Informa que a última geração surgiu pioneiramente no interior do estado, e não na capital; que, “tanto em Picos quanto em Parnaíba, duas publicações eram feitas em mimeógrafo: Voz do Campus e o Linguinha”.

Pertenço à Geração Marginal ou 70, e estou na companhia, entre outros, dos seguintes literatos: Alcenor Candeira Filho, Paulo Machado, Cineas Santos, Durvalino Couto Filho, Nelson Nunes, João Pinto, José Ribamar Garcia, Rubervam Du Nascimento, Menezes y Moraes, Oton Lustosa e William Melo Soares. Entre os mais jovens, foram citados Dílson Lages Monteiro e Lara Larissa. Ainda, pertencentes a essa geração, foram mencionados os teatrólogos Aci Campelo, Wellington Sampaio e Afonso Lima. Por fim, foi referida a Geração do Milênio, da qual foram citados os escritores e poetas Ana Miranda, Adrião Neto, Beth Rego, Carlos Alberto Gramoza, Chico Castro, Carvalho Neto, Climério Ferreira, etc. Uma curiosidade: o poeta Rubervam Du Nascimento foi mencionado como sendo também violinista, faceta que lhe desconhecia.

Os verbetes são mais ou menos longos, conforme o merecimento atribuído aos autores. Não foram arrolados apenas dados biográficos e obras, mas foram emitidos comentários críticos, ainda que eventualmente sucintos. Os principais literatos foram contemplados com até três textos de sua autoria, de modo que Literatura do Piauí é ainda uma cuidadosa seleta. Seguindo o seu pioneirismo, FMM achou por bem incluir na parte final da obra uma “antologia da crítica”, na qual foram coligidos artigos e ensaios de diferentes autores. Evidentemente, conforme suas preferências, gosto pessoal e idiossincrasias, o leitor poderá entender que determinado literato deveria ser excluído, e que outro deveria ser citado. Mas isso sói acontecer em qualquer listagem de “maiores” ou “melhores”, sobretudo em campo tão subjetivo como é a arte literária.


Em suas quase quatrocentas páginas de análises, comentários críticos, história e informações diversas, Literatura do Piauí é uma monumental obra, que prova, definitivamente, de uma vez por todas, que a literatura piauiense existe, e que não cabe mais nenhuma dúvida quanto a isto.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Barras do Marataoan: O Retorno




Barras do Marataoan: O Retorno        

Chico Acoram Araújo

           Alguns dias atrás fui a minha cidade natal, Barras do Marataoan. Há muito tempo por lá não ia. A cidade cresceu, inchou; não se desenvolveu.  O comportamento das pessoas mudou. As crianças e jovens não diferem nem pouco dos que moram nas grandes cidades. Perderam a simplicidade interiorana; a violência é marcante. Tudo mudado. Aliás, ultimamente, perdi o encanto em visitar meu torrão. Há quase dois anos não andava por minha saudosa Barras. A última vez estive lá por conta do velório e sepultamento de uma estimada parente. Cabe aqui salientar que o objetivo dessa viagem de agora era apenas para conduzir minha tia de volta à Teresina, conforme tínhamos acertado semana antecedente a sua ida àquela cidade. A viagem fora marcada para o domingo seguinte.
                Acordei cedo no domingo, sem muita vontade; comumente, nesse sagrado dia, levanto-me um pouco mais tarde. Uma preguiça perpétua me abate. Nada, porém, que um bom  banho não possa dissipar.
O dia amanheceu ensolarado; o céu com um azul brilhante, brisa calma e aconchegante. Dia bom para uma viagem, pensei. Despedi-me da esposa, e parti.
                Em pouco tempo já estava na BR-343 rumo à Barras – terra dos governadores, dos poetas e dos escritores; e paraíso das águas. Alguns minutos depois, tomei a PI-113, conhecida como Rodovia do Babaçu, acesso da rota turística chamada de Caminho das Águas. Sozinho no meu carro, absorto em um torvelinho de pensamentos passados, lembrei–me de um certo  janeiro, lá pelo ano de 1961.  Tinha apenas oito anos de idade quando meu pai decidiu morar em Teresina em busca de melhores condições de vida para sua família. Fiquei maravilhado com minha primeira viagem, sobretudo pelo fato de ir em cima de um caminhão, embora apertado entre as velhas tralhas que estavam em cima da carroceria. Naquela época, o percurso entre as duas cidades durava cerca de quatro ou cinco horas. O chão da estrada era de piçarra, o que levantava uma grande poeira avermelhada com o atrito dos pneus do veículo.  Hoje, com a estrada asfaltada, o tempo de viagem é de apenas hora e meia, aproximadamente. Mas, essa história já contei aqui mesmo nesse espaço, em crônica anterior.
                Como todo mundo gosta de contar a história da sua terra querida, peço licença para falar sobre a minha também. A história registra que Barras surgiu a partir de uma fazenda de gado conhecida como Buritizinho, que se tornou povoado alguns anos depois. Nessa localidade construiu-se, em meados do século XVIII, uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, atualmente padroeira da cidade.  Barras do Marataoan, como era antes conhecida (em alusão ao rio que serpenteia e banha a cidade), foi elevada à categoria de cidade pelo Decreto nº 1, de 28/12/1889. A cidade está localizada no centro de seis barras de rios e riachos, daí o nome adotado, Barras. Localiza-se na microrregião do Baixo Parnaíba Piauiense, com uma área de 1.719,798 km², e possui densa vegetação entremeada por babaçu, mas também extensos campos cobertos por gramíneas. Sua população atual beira os 44.850 habitantes; e  barrense é o nome gentílico do habitante do município.
                Barras é conhecida como terra dos governadores e dos poetas. Segundo Elmar Carvalho, notório magistrado e escritor piauiense, o primeiro aposto se devia não só ao fato de Barras ter tido vários de seus filhos na governança do Estado do Piauí, mas também na chefia do Executivo de Pernambuco e amazonas. Ele cita como governadores do Piauí: Gregório Taumaturgo de Azevedo (26/12/1889 a 04/06/1890), primeiro governador republicano do Piauí; Coriolano de Carvalho e Silva (11/12/1892 a 04/07/1896); Raimundo Artur de Vasconcelos (01/07/1896 a 1900); Matias Olímpio de Melo (1924 a 1928); e Leônidas de Castro Melo (03/05/1935 a 09/11/1945), que governou o Estado por mais de dez anos. O emérito Escritor elenca ainda os barrenses Gregório Taumaturgo de Azevedo e Fileto Pires Ferreira como governantes do Estado do Amazonas, enquanto Segismundo Antônio Gonçalves governou o Estado de Pernambuco. O poeta declara ainda que Barras poderia ser chamada, igualmente, de terra dos intelectuais, uma vez que forneceu ao Estado nomeados escritores e poetas.
                Quanto ao epíteto de terras dos poetas, o ilustre Elmar Carvalho destaca entre os intelectuais, poetas e escritores às margens do Marataoan, os seguintes barrenses: David Moreira Caldas, o “Profeta da República”, por ter previsto, em 1873, a Proclamação da República do Brasil no ano de 1989 (ele faleceu 10 anos antes da Proclamação, e em condições precárias, pois a igreja católica lhe negou o sepultamento de cristão, por suas convicções políticas e religiosas. Foi enterrado fora do cemitério, nas cercanias da cidade de Teresina); Celso Pinheiro, o mais importante poeta simbolista do Piauí; José de Arimathéa Tito Filho, que presidiu a Academia Piauiense de Letras durante 23 anos; João Pinheiro, autor da mais notável obra sobre a história literária do Piauí; Matias Olímpio de Melo, Presidente da Academia Piauiense de Letras por dois mandatos. Elmar cita ainda os escritores, Fenelon Castelo Branco, José Pires Lima Rebelo e Wilson Carvalho Gonçalves, sendo este último o autor de uma das mais notáveis obras de divulgação da História do Piauí. Afirma ainda que são considerados barrenses os poetas Leonardo de Carvalho Castelo Branco, Hermínio de Carvalho Castelo Branco e Teodoro de Carvalho Castelo Branco, haja vista que as localidades onde nasceram pertenceram ao município de Barras. Seria injusto não mencionar o barrense Lucílio de Albuquerque, que foi pintor, desenhista e professor brasileiro, de notoriedade internacional. Em 1906, esse ilustre piauiense recebeu o Prêmio de Viagem da ENBA, com a tela Anchieta escrevendo o poema à Virgem.
                Elmar Carvalho, em sua pesquisa, afirma categoricamente que Barras, além de ser a Terra dos Governadores, é também celeiro de marechais e senadores. Entre os primeiros, enumera: Firmino Pires Ferreira, que lutou na Guerra do Paraguai, e Gregório Taumaturgo de Azevedo, que chefiou a comissão de limites entre o Brasil e Bolívia, e fundou a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, e a Cruz Vermelha Brasileira. Quanto aos senadores, Elmar Carvalho aponta os barrenses Firmino Pires Ferreira, Raimundo Artur de Vasconcelos, Joaquim Pires Ferreira, Matias Olímpio de Melo e Leônidas de Castro Melo, salientando que todos estes foram também deputados federais.
                Aqui cabe um adendo. O emérito magistrado e escritor Elmar Carvalho é barrense de sangue, pois como ele próprio declarou, assim como seu pai, vários dos seus ancestrais paternos são filhos de Barras. Portanto, esse preclaro poeta e escritor é, também, um ilustre barrense, embora tenha nascido na vizinha cidade de Campo Maior.
                Feito a publicidade da minha terra natal, volto novamente meus pensamentos para a Rodovia do Babaçu. Depois que passei por José de Freitas e Cabeceiras, recordo-me de ter visto, durante aquela viagem da mudança de minha família para a Capital, uma revoada de periquitos que sobrevoavam as matas, um nambu correndo no mato, um carcará pousado em uma árvore, um preá atravessando a estrada, uma palmeira lascada por um raio. Lembro-me também, nas margens da rodovia, bois pé duro pastando, algumas casas cobertas de palhas de palmeira, bem como algumas roças cheias de legumes. Esse fantástico cenário bucólico agora não o estou vendo. Tudo mudou; é passado. Meus pensamentos divagavam errantes, em lembranças atuais e remotas. Parece que a solidão provoca no ser humano a capacidade de lembrar fatos e coisas que ocorreram no passado distante, e que, às vezes, a gente nem imaginava a existência deles. Lembre-se que eu estava sozinho e Deus no meu automóvel.
                Chegando à cidade de Barras, um pouco antes, vi a casa grande da antiga fazenda conhecida como “Cantinho”. Nessa localidade, quando criança, tomava de vez por outra uma garapa extraída da cana-de-açúcar, e comia também rapadura quentinha. Observei que aquela vivenda agora estava reformada, mas guardava as características antigas; e que não existe mais a casa de moagem.
                Do “Cantinho” para cidade é pulo; apenas cinco minutos. Enfim, cheguei à Terra dos Governadores e dos Poetas. Porém, antes de entrar na cidade, existe à esquerda da rodovia, em uma curva e um pouco antes da ponte que atravessa o rio Marataoan, um morro que impede a visão panorâmica da cidade. Esse pequeno acidente geográfico está no lugar errado, ou foi a estrada que foi construída no lugar indevido?
                Chegando ao meu destino, fui direto para casa da minha tia que morava do outro lado da cidade, no Bairro Boa Vista. Antes de entrar na rua que dar acesso à residência da referida tia, observei, à direita, algumas pequenas casas e bares que ficavam ao lado de uma grota que escoa água e esgoto. Nesse local, quando o bairro não era ainda muito povoado, existia um perene riacho conhecido como “Riachinho”. Hoje, não existe mais esse córrego em que tantas vezes, quando criança, banhei em suas águas cristalinas.  Por conta desse fato, transcrevo, a seguir, um trecho de poema que escrevi muito tempo atrás:

Onde está meu córrego de nome Riachinho?
Meu pequeno rio de saudades – água preciosa servida em um dourado pucarinho!
Riacho já não mais existe. E a minha Boa Vista
Há muito deixou de ser uma bela vista.

No final do mesmo poema, eu faço um protesto ecológico que diz assim:

Lá se vão mais de meio século de rota,
Época que não volta mais; e eu longe do canto dos pássaros, pela manhã.
Hoje, meu Riachinho é apenas uma grande grota,
Que desemboca no meu rio de saudades, o Marataoan.

                Sigo na minha viagem sentimental e, momento depois, eu chegava em casa da minha tia, que acima já me referi. Esta e a outra tia, que viera do Rio Janeiro visitar parentes, já me esperavam, conforme o combinado na semana anterior, em Teresina. Desde a minha chegada até a hora do almoço houve uma longa e demorada conversa entre os parentes que se encontravam na casa. Lembrávamos acontecimentos do arco da velha; assuntos de toda natureza. Vez por outra, ouviam-se belas gargalhadas. Uma confraternização familiar, enfim. Isso durou até a hora do almoço. O cardápio era costela frita de leitão novo, baião de dois, com o feijão colhido na roça no dia anterior, acompanhado de uma galinha caipira ao molho. Iguarias como estas não existem melhor. Após a ceia, fui cochilar um pouco em uma macia rede branca feita de tecido “sol-a-sol”.  Afinal, ninguém é de ferro!
                Quando o sol baixou, e o calor deu uma trégua, partirmos de volta para Teresina, eu e minha tia; felizes.         

Fonte: blog Folhas Avulsas

terça-feira, 23 de junho de 2015

A ética por um fio


A ética por um fio

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Como você reagiria a tentadora e ilícita proposta, em dinheiro, suficiente para tirar sua escola da liseira? Apreensão por não fechar a folha de pagamento dos funcionários, tributos atrasados?

Dezembro. Apenas metade das mensalidades arrecardadas em caixa. Cobrança dos professores, constrangimentos, explicações pífias. Do céu maná não desce; mais fácil a solução vir do inferno, na hora certa. Prefeito amigo, derrotado nas eleições, visita-me com a seguinte proposta: “Professor, liquido a folha de seus professores, se, em troca, me fornecer um papel timbrado da escola, em branco, assinado e carimbado, comprovando que a prefeitura pagou bolsas de estudo a jovens do município, como se estudassem em seu colégio”. Senti-me em deserto árido, faminto e desolado, acuado por espírito satânico a oferecer-me pão e fortuna se o adorasse no alto do templo.  Otário se resistisse a generosa dádiva, em tão oportuna hora, enquanto outros por aí, agraciados e prósperos, zombam da virtude.

Brasil do jeitinho diabólico de encarar ética como virtude dos tolos e medíocres, que nunca alcançam sucesso sem recorrer a malandragens.

Ética, filosofia do caráter e dos assuntos morais, que rege a sociedade. Em sentido prático e menos filosófico, exige-se ética nas relações profissionais, examinando-se, por exemplo, a conduta de políticos, gestores, médicos, empresários, religiosos.

Ética não pode ser confundida com a lei, embora que, em certos momentos, a lei tenha como bases princípios éticos. Há leis que afrontam a ética, como a que defende altos salários a certas categorias profissionais, em detrimento dos menos aquinhoados. Ou a lei que permite casamento gay, se a denominação é dada a casal, e não a um par. Ética das condutas sadias do espírito, como a solidariedade para com a infância, idosos e expurgados socialmente.

Ética e moral assemelham-se, porém não se igualam. Moral se fundamenta em princípios e mandamentos culturais, religiosos. A ética abrange condutas com regras humanas nos campos da sociologia, psicologia, educação, esportes e negócios.

A prosperidade é uma bênção, erguida sob freios da ética, moral, leis justas e cidadania. Países que adotaram esses princípios, com rigor, libertaram-se mais cedo da miséria provocada por terremotos, guerras e ditaduras corruptas.

O prefeito retirou-se da minha sala, depois de ouvir lições que, talvez, nunca tenha aprendido. Porque a dele em me oferecer levou zero. Não precisei comer fruto proibido. No final de dezembro, graças aos bons anjos que deviam mensalidades atrasadas, assistiram-me com pão generoso, para satisfações dos professores. Porque – diz a canção do rei – “tudo fácil valor nunca traz”.        

domingo, 21 de junho de 2015

NA NOITE


NA NOITE

Elmar Carvalho

Na noite
um sapo coaxa.
Uma puta triste
acha graça. Acha graça.
Um galo
às desoras desfere um canto
fora de hora. E chora.
Um cão ladra por nada:
nenhuma cadela no cio.
O silêncio
grita como louco
na concha acústica
dos labirintos dos ouvidos moucos
por onde um Teseu lasso caminha
em busca do Minotauro – perdido
sem o fio de Ariadne –
conduzido por outro fio
que parte / se parte e
se reparte entre o ser
e o não ser.
E os gritos de Teseu
arrancam ecos
que já ecos de si mesmos
se repetem se repetem
até a mais completa
absoluta exaustão.       

quinta-feira, 18 de junho de 2015

MESTRE CHICO E A LITERATURA DO PIAUÍ

Mécia e Francisco Miguel de Moura

18 de junho   Diário Incontínuo

MESTRE CHICO E A LITERATURA DO PIAUÍ

Parte I

Elmar Carvalho

Na quinta-feira passada, à noite, fui ao Salipi, onde o poeta Francisco Miguel de Moura estaria autografando o seu livro Literatura do Piauí, 2ª edição, publicado pela editora da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Pensei que fosse lançamento solene, com palestras de apresentação e tudo mais, mas na verdade tratava-se tão-somente de venda e autógrafo da obra. Ao chegar, além do escritor e de sua esposa Mécia, encontrei o historiador, jurista e articulista João Borges Caminha, que foi meu professor na Universidade Federal do Piauí, na qual ele lecionava Direito Agrário.

É ele meu confrade na Academia Campomaiorense de Letras – ACALE. Foi chefe do Setor Jurídico do Banco do Brasil no Estado do Piauí. Seu filho Marco Aurélio Lustosa Caminha, procurador do Trabalho, foi meu colega no curso de Direito. Fui apresentado por Chico Miguel ao juiz do Trabalho Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz, seu amigo e leitor contumaz e voraz, que adquiriu meu livro Confissões de um juiz, que se encontrava exposto no estande da EDUFPI. Tive a satisfação de lhe autografar o exemplar.

O lançamento de Literatura do Piauí será no próximo dia 20, sábado, às 10 horas, em solenidade conjunta da UFPI e da Academia Piauiense de Letras – APL, conforme convite que tenho em mãos, emitido pelo reitor José Arimatéia Dantas Lopes e pelo presidente Nelson Nery Costa. O evento acontecerá no auditório da APL. Serão, também, lançados na oportunidade os livros Estudos de História do Piauí, 2ª edição, de Odilon Nunes, e O sertão piauiense em pé de guerra, 1ª edição, de Laécio Barros Dias, ambos publicados pela APL e integrantes da Coleção Centenário.

Conheci Chico Miguel de Moura no final da década de 1970, quando ele esteve rapidamente no lançamento do livro Galopando, obra coletiva de que fazíamos parte Paulo Couto Machado, Rubervam Du Nascimento, Josemar Nerys, Paulo de Athayde Couto e este diarista. Os três primeiros residiam em Teresina, e os dois últimos, em Parnaíba. Na verdade, para ser mais exato, o Rubervam morava em Timon e trabalhava em nossa capital, na Delegacia do Trabalho. Era o início de uma amizade literária e integração entre autores parnaibanos e teresinenses. Creio ter sido ainda a estreia literária de alguns desses poetas, inclusive a minha.

O livro era uma brochura simples, mas bem cuidada, com miolo impresso em mimeógrafo, porém a capa era uma bela obra de arte, uma xilogravura feita com todo esmero pelo artista plástico Fernando Costa, tragicamente falecido nas cinzas de um triste carnaval, poucos anos depois. Cheguei a conhecê-lo em Parnaíba, em um evento cultural. Em sua memória, escrevi uma crônica elegíaca, em que lamentei a sua morte precoce, quando ele ainda estava por alcançar o auge de seu talento. Galopando trazia ilustrações de Fábio Torres, Zé Alfredo e Fernando Costa. Foi editado graças aos esforços de Nonata Nerys, irmã de Josemar, e Socorro Soares. 

Passando a residir em Teresina a partir de agosto de 1982, ao assumir o cargo de fiscal da SUNAB, tornei-me amigo de Chico Miguel e de seu irmão afetivo Hardi Filho, grande poeta recentemente falecido. Algumas vezes estive na casa deles, em momentos alegres ou comemorativos. Em 1986, o velho, franco e franciscano Chico iniciou a luta para reativar a União Brasileira de Escritores do Piauí, de cuja campanha fiz parte. Foi o seu primeiro presidente, nessa nova fase. Deu-lhe vida, através de publicações e eventos, e lhe deu existência legal, com razão social, CNPJ e demais aparato burocrático.


Fui seu sucessor, na gestão 1988/1990. Com a ajuda de meus companheiros de diretoria e o apoio decisivo do deputado Humberto Reis da Silveira, conseguimos que fosse insculpida em dispositivo da Constituição Estadual a obrigatoriedade do ensino de Literatura Piauiense, passando a nossa literatura a ser, portanto, disciplina obrigatória (art. 226). Por razões que desconheço, mas que não acho aceitáveis ou justificáveis, esse mandamento constitucional nunca foi efetivamente executado pelo Governo do Piauí.

(Continua na próxima semana.)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Mona Lisa


MONA  LISA

Alcenor Candeira Filho

                                 1

na pintura a óleo
sobre madeira de álamo
o olhar que paralisa:
- o olhar de Mona Lisa.

                                  2

quase tal como
quando na hora enfim da encomendação e da partida
Capitu defronte do caixão com os olhos
"grandes e abertos como a vaga no mar lá fora"
olhava que olhava para Escobar defunto
- La Gioconda da tela
mais cara e mais bela do planeta terra
me olha me encara me azara me devora
                       cara
                          a
                       cara
fixamente apaixonadamente nesta hora de sonho louco
e eu - olho no olho -
sem tirar os olhos dos olhos dela
na maior cara de pau do mundo
e sem nunca os pés ter posto no Museu do Louvre..    

Lançamento de livros - convite


                A Academia Piauiense de Letras e a Universidade Federal do Piauí têm o prazer de convidar V. Exa. e distinta família para o lançamento dos seguintes livros: Estudos de História do Piauí, nº 8 – 2ª edição, de Odilon Nunes; O Sertão Piauiense em Pé de Guerra, nº 49 – 1ª edição, de Laécio Barros Dias, ambos da Coleção Centenário, e pela EDUFPI Literatura do Piauí – 2ª edição, de Francisco Miguel de Moura.
 

Nelson Nery Costa
Presidente

José Arimatéia Dantas Lopes
Reitor


Data: 20 de junho de 2015
Horário: 10hs9h 30
Local: Sede da Academia Piauiense de Letras (Auditório Acad. Wilson de Andrade Brandão)
Av. Miguel Rosa, 3300/S – Fone/ Fax :(86)  3221 1566–   CEP.: 64001-490  –  Teresina-PI  

terça-feira, 16 de junho de 2015

OEIRAS CLUBE


OEIRAS CLUBE

Antonio Reinaldo Soares Filho
Escritor, historiador e geólogo

O velho Oeiras Clube foi fundado em 10 de novembro de 1948, objetivando oferecer aos seus sócios e familiares um local para se reunir em lazer, receber orquestras visitantes, realizar suas festas dançantes e servir a outras atividades. O seu estatuto foi elaborado por Possidônio Nunes de Queiroz. Para pertencer àquela sociedade era necessário superar preconceitos e preencher determinadas condições tais como: ser parte da seleta sociedade, ter posse de patrimônio financeiro reconhecido, ser uma autoridade civil ou militar, ocupar posição reconhecidamente destacada, ser portadores de diplomas universitários, serem maior de idade e vestir-se com formalidade. Para adentrar ao local, os homens trajavam-se com rigor e as mulheres com vestidos longos. Estava escrito.O porteiro ficava autorizado impedir os que não se enquadrassem naquelas condições.

Até meados da década de sessentaele se localizava na Praça do Mercado, também chamada de Rua da Feira, de frente para o norte. Estava entre a casa de morada do Tabelião Joel Campos e o estabelecimento comercial Tapety. Sua parede frontal, pintada de um verde musgo, tinha três janelas à direita (lado oeste) da porta principal, e duas janelas à esquerda (lado leste). Seu interior era alcançado por um estreito corredor que separava o salão de festas da sala de reuniões com o banheiro feminino. Na entrada ficava o seu porteiro - Luís Gonzaga Rocha, o folclórico Badaró.

Adentrando a casa por um corredor, na parede da esquerda havia apenas uma porta oferecendoacesso à sala da diretoria, onde foi colocada uma mesa de jogos de ping-pong. E, à direita, principiava com um arco aberto, bloqueado por um baixo balaústre onde, em dias de festa, costumava ser ocupado por matronas e solteironas que participavam do "sereno do baile". Naquele ambiente surgiram casamentos e muito fuxico maldoso, espalhados por fofoqueiras desocupadas. No final da referida passagem estreita, havia dois acanhados arcos de antigas portas, um à frente dando passadiço ao interior da casa, ao seu alpendre livre, e o outro à direita que se abria para o salão de danças.

Chegava-se ao alpendre com pátio interno formado pela planta em “L invertido” com o telhado descaindo para o sul e leste, abrindo para um pátio interno cimentado. Na varanda havia mesas e cadeiras da marca Cimo, para acomodar as famílias dos sócios.

Da porta que dava entrada ao alpendre, pelo lado esquerdo a área coberta media aproximadamente seis metros de comprimento. Na parede daquela parte menor havia uma porta que permitia a entrada para o sanitário feminino. E, da porta para a direita, na mesma parede, agora separando o salão de festas da cobertura aberta havia duas aberturas. Um arco facilitava o trânsito à pista de dança. Um pouco à frente, já no canto do L, outro maior no mesmo estilo, bloqueado por um baixo balaústre, facilitava a visão da parte interna da casa para a pista de dança. Essa permitia que os músicos se voltassem ora para os frequentadores nas mesas ora para os pares no grande salão.

Os músicos se posicionavam estrategicamente instalados naquele canto interno, formado por uma pequena plataforma de plano superior ao do piso da casa, circundado por um baixo balaústre. Ali Levy Carmo encantava com o som afinado do seu magnífico pistom a tocar velhos boleros e sambas canções. Orquestras de passagem, formadas basicamente por instrumentos metálicos de sopro, proporcionaram noites de encantamentos aquela sociedade.

No salão os casais se entregavam a bailar sob o olhar atento de mães ou tias zelosas, embalados pelo ritmo suave de suas músicas, alternados por sambas dançados em comedidas gafieiras. O ambiente ficava lotado. Quanta fantasia, sonhos e lembranças inesquecíveis...

 Elas vestiam à moda trapézio com a cintura marcada, de quando em quando deixando os ombros femininos a nus. Nas festas, as moças trajavam vestidos com saias rodadas, por vezes plissadas, bastante compridas batendo no meio da batata da perna, acinturada, símbolo de sofisticação e elegância - uma ladylike. Minha tia Luzia Áurea Campos Ferreira foi uma bela ladylike. Naqueles dias, o máximo a ser mostrado era o colo feminino através de um decote muito discreto. Elas abusavam do estilo new look, vestido estampado de bolinha ou não, cintura bem marcada, terminado logo abaixo do joelho, complementado por uma fita no cabelo. Os penteados poderiam ser coques ou rabos-de-cavalo um pouco mais curtos, com mechas caindo sobre o rosto ou franjas que davam um ar de menininhas. Usavam óculos gatinhos com lentes escuras muito chiques. Tudo bem comportado. Na década de 50 as mulheres não usavam a calça comprida nem priorizavam a carreira profissional, sonhavam serem donas de casa impecáveis. Ah, como eram glamorosas. Havia um código de honra – não escrito - cujos limites não eram ultrapassados e raramente foi desrespeitado. Os moços eram gentis e atenciosos com as mocinhas de família, estendendo as reverencias as mães das jovenzinhas de então. Trajar-se a rigor acompanhando a tendência da moda significava uma camisa de tergal Perval “volta ao mundo” e uma calça de naycron “aquelas que nunca perdiam o vínculo”.Os moços avançados, viajados pelo eixo Rio - São Paulo abandonava a calça frouxa de linho e buscava, na medida do possível para uma cidade de interior, imitar o visual rock’n'roll, ou seja, camisa branca (Símbolos de uma juventude ingenuamente rebelde) com calça de brim e brilhantina no enrolado topete do cabelo emplastrado. Um óculos Ray Ban aviator de lentes escuras arrematava o visual. Padrões e imagens de uma mocidade.

Na parte maior do L no alpendre ficava a maioria das mesas acomodando seus frequentadores. No extremo sul do alpendre aberto para o nascente, correspondente a sua ponta mais alongada, encontrava-se o pequeno bar. Os fregueses eram atendidos através de uma larga janela voltada para o salão. Ao lado, uma porta de acesso a um estreito corredor, que terminava em um quarto com uma porta para o segundo pátio. Naquele compartimento, após as dez horas da noite se formava uma roda de carteado que varava as madrugadas. O pife-pafe foi à modalidade praticada. Pelas cartas do baralho, os magnetizados pelo vício pernicioso, chegaram a comprometer orçamentos familiares, a perder propriedades e outros bens. Diziam seus frequentadores ser aquela casa mal-assombrada. Comentavam que nas noites escuras, posto que não existir energia elétrica, ouviam-se barulhos e murmúrios. Apesar de explicações – “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã percepção”.

Do lado leste do interior da casa havia um pátio alongado, descoberto, dividido ao meio por um muro com um portão. A primeira área defronte dos alpendres tinha o piso cimentado. Após o portão de acesso, do outro lado, o chão não tinha cobertura. O sanitário masculino, isolado, se posicionava após a sala de jogos, com a porta para o segundo espaço aberto.

Prosseguindo, no final daquele segundo pátio, havia um alpendre voltado para o norte, cobrindo delateral a lateral, apoiado sobre uma alta parede dos fundos. Ali ficava um quarto usado como cozinha e o resto do espaço era aberto. Por uma porta se ingressava no quintal onde os bêbados davam alívio às contrações digestivas e ao álcool ingerido. Outros ficavam caídos em meio à fedentina.

Só tinha acesso àquelas dependências quem era sócio, havia ordem, organização e respeito. O incansável Eurico César Rêgo era o seu principal animador. Eurico se confundia com o velho Oeiras Clube, de tanta afeição e amor dedicado àquela entidade recreativa.

A minha primeira festa foi naquele Oeiras Clube, encontrando-se presentes Jackson Pagels Sá e Dagoberto Júnior, que também faziam suas estreias em festa noturna.

Durante muitos anos o arrendatário do seu bar foi o comerciante Antônio Reinaldo Soares associado com seu cunhado Antônio Campos Ferreira.

O clube tinha uma grande e maravilhosa eletrola Philips de alta-fidelidade "hi-fi", móvel bonito, daquelas que pegavam dez long plays, posicionada em um dos cantos internos. Nas noites comuns de sábado, entre as vinte e vinte e duas horas, reuniam-se rapazes e moças da geração que vi. As da minha e da gente da seguinte, para alegres tertúlias dançantes. Simplesmente para dançarmos nos finais de semana. Bailávamos de rosto colado, um corpo junto ao outro, uma sensação indescritível. Velhos discos de vinil a tocar famosos boleros cantados por Nat King Cole, Henry Mancini, Ray Conniff, Billy Vaughn, da orquestra Tabajara, Ivanildo, Poly e seu Conjunto... Estourava nas ondas do rádio uma novidade, Cely Campelo apresentando um ritmo diferente marcando o refrão de Lacinhos cor de rosa: “Um sapatinho eu vou, com um laço cor de rosa enfeitar... e perto dele eu vou andar devagarinho e o broto conquistar!”... O maior bailarino no ambiente foi o Albérico do Nascimento Sá e fazia par igual com Teresina Martins Portela. Completava aquele grupo alegre de jovens: Haydée Rêgo Amorim, Amparo Sá, Marli Pires, Socorro Alves Avelino, Ana Rita Maria de Freitas Sá (Ana Rita de Antônio Sá), Ester de Carvalho Rêgo, Leonissa de Carvalho Rêgo (Leó), Maria Amélia Mendes Freitas, Onezina Portela Serra e Maria Piedade Portela Serra, Edemar Ramos Vieira (Dimas), Afonso de Moraes Rêgo, Lourival Franco de Sá Filho, Pedro Ferrer Mendes de Freitas, Roosevelt Sá, Antônio Amorim Guida, Mário Portela da Silva, Antônio Nunes Cavalcante (Antônio de Miguelzinho), Silvério Cardoso da Silva Filho - Silizinho, Lindomar Freitas, Francisco Moura de Araújo – Chiqueza, Waldemar Reis Freitas, Eros Ferreira Rocha... Maria Ribeiro Gonçalves, Rosina Martins Portela, Rita de Cássia Mendes de Freitas, Zenaide Lopes, Iolanda Sá, Gleice Martins Freitas, Rosário Martins Freitas, Orlene França, Gardênia e Ida Gomes Amorim, Maria Conceição Ferreira e Silva, Acidélia Ferreira e Silva e mais..., se faziam presentes.

Um dia, um curioso achou que sabia manipular com os controles daquele estimado aparelho, danificando-o para sempre. A diretoria não se interessou em providenciar seu conserto. Encerrava-se ali um grande divertimento e alegria daqueles jovens que gostavam de bailar.

Quando o diretor da casa era um festeiro, o clube estava sempre proporcionando bailes. Os seus salões se iluminavam quando aconteciam as principais festas da cidade.

A casa da Rua da Feira, que serviu de palco para tanto entretenimento, continua na memória dos que a conheceram. As gerações que a frequentaram, nostalgicamente relembram-na com carinho, como se tudo tivesse sido um sonho bom, em que não devêssemos acordar.    

domingo, 14 de junho de 2015

Cães urbanos


Cães urbanos 

Neide Moscoso

vou seguindo a rota
dos cães urbanos
ambulantes da
sorte incerta
carregam nos passos
silenciosos
o risco nas dobras
das ruas  desertas
sedentos de águas impuras
famintos das migalhas
dos lixos ensacados
a escolha não lhes coube
vivem no instinto
a ferocidade e
no amor o sentimento
inerente à sua natureza
cativa da fidelidade
e da amizade
eterna     

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Manchetes da indignação


Manchetes da indignação

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
  

            Basta abrir as páginas dos jornais, acompanhar noticiários da TV e do rádio. Os temas se repetem cotidianamente, sangram a paciência, enchem de indignação. Precisa citá-los, se a opinião pública já se acostumou a presenciar, através das imagens e manchetes, o desmoronamento moral por que atravessa o país? A culpa não cabe à imprensa, porquanto, graças ao jornalismo investigativo, sem chapa branca, a opinião pública é informada. Embora estarrecida e indignada, observa tudo, passiva, e aí comete perigoso deslize  de omissão e submissão aos caprichos de administradores.

         Vejam só o que escreveu Santo Agostinho, no terceiro século da era cristã, em plena devassidão romana, cujas autoridades militares, judiciárias e políticas se vendiam por qualquer propina: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, para mudá-las”.

         A indignação da sociedade já se manifesta em toda ponta de rua ou mesa de bar, nas avenidas e concentrações públicas. Falta-lhe, ainda, a coragem para mudá-las, apertando o cerco às autoridades. Formadores de opinião precisam incorporar-se à indignação social, com bravura, protestos, exemplo da banda Skank: “Eu fiquei indignado /  Ele ficou indignado / A massa ficou indignada / Duro de tão indignado”.

         A imprensa, como a literatura, em geral, num país sem liberdade pública até para trabalhar, é a única tribuna, do alto da qual se pode ouvir o grito da indignação e da consciência.

         Prefeito de Fronteiras do Piauí, que decretara estado de emergência, contratou os músicos Zezé de Camargo e Luciano por quase 300 mil reais, incluindo outras despesas de pura diversão com dinheiro da fome.

         Dá ou não dá indignação prefeita Neuma Café (PT) pagar mais de 1 milhão aos cantores Frejat (340 mil), a Jorge Bem Jor (350 mil) e Ana Carolina (375mil)? Toda essa montanha para Festival de Inverno e calor.

         Indignação saber que a verba de gabinete de um deputado estadual do Piauí aproxima-se dos 200 mil reais. Secretário da prefeitura de Teresina dança festivo com 25 mil reais de contracheque, enquanto barnabés protestam por aumento na Câmara Municipal, alguns por não aceitar “aumento” miserável de 1%!! Sempre as mesmas e fajutas desculpas de que “é preciso cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal” ou coisa parecida, contensão de despesa, que sempre ataca o “baixo clero”.

            Uma das artimanhas de administradores em apuros é engabelar a população indignada com “pão e circo” do império romano ou com investimentos que nunca se concretizam. Estratosféricos 195 bilhões de reais para “estradas de logística” e outros caracacás!! Por aqui, piruetas festivas e blablabá para acalmar grevistas. Só pílulas azuizinhas do amor.

         Coluna de Zózimo Tavares: “O Governo do Estado e a Prefeitura de Teresina reclamam da queda de receita, mas anunciam investimentos em obras de mobilidade”. Tá vendo como administradores engabelam a indignação?