terça-feira, 18 de março de 2014

Os nordestinos


Fonseca Neto

O lugar em que eu nasci, Passagem Franca, no Maranhão, até meados do século passado, foi um destino de migrantes de vários estados nordestinos, em geral fugidos das secas, ou simplesmente em busca de novos e “verdes” horizontes em suas vidas. 

Até os anos de 1960, aquela nesga de sertão do sudeste maranhense não se entendia como pertencente à região “Nordeste” do Brasil, daí que os chegados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e mais ainda do Ceará, eram conhecidos como “os nordestinos”, espécie de gente de longe. 

Essa migração de “nordestinos” explica a própria colonização da microrregião onde foi erguida a povoação original, de cidade e município, no vale do Inhumas/Balseiros/Corrente, complexo de riotes afluentes do rio Itapecuru. 

Nesse vale de cocais nativos, ubérrimo, moldado com uma serrania em cujos pés há olhos d’água que pingam, notadamente no lugar da Passagem, os Araújo e Alencar, cearenses oriundos do “riacho do Sangue” e descidos da Serra Grande, chegaram no ano de 1777. Ali já encontraram as terras doadas a sesmeiros antes chegados, os Franco, por exemplo, e fixados no grande entorno da Lagoa do Taboleiro... 

As famílias Franco, Araújo e Alencar, dando combate aos nativos Aranhim, logo, destes, tomaram as terras, passando a senhoriá-las e fundando fazendas de criar gado e agricultura. Ao longo do século seguinte, o dezenove, várias outras famílias para ali migraram, em torno de 1877, a exemplo dos Souza da vila riograndense de Pau dos Ferros, que, décadas mais tarde, atrairiam para o Maranhão outras parentelas. Também os Pereira de Sá e Brandão, além dos Mourão, da Freguesia do Senhor do Bonfim da Serra dos Cocos, chegaram na região dos cocais, ao que se sabe, no alvorecer do Oitocentos. Os Coelho, idem, vindos do médio São Francisco – descendentes de Valério Coelho Rodrigues. Fixaram-se estes então, na sede do Julgado de Pastos Bons, depois desceram o Balseiros e ajudaram  a erguer a vila da Passagem.      

Mas as mais significativas levas migrantes aportam por volta de 1915 e 1932, anos marcados por graves estiagens naqueles Estados. Na Passagem, até política pública a prefeitura municipal implementou para acomodar “os nordestinos”: em 1935, o prefeito Nelson Porto determinou a abertura de uma rua para acomodar os chegantes, na borda direita do riacho Inhumas, entre a Passagem do Bezerra e o Riachinho, a hoje rua da Santa Luzia. Trata-se de área em que os tradicionais moradores locais não queriam habitar, por considerá-la alagadiça e palustrosa; a prefeitura mandou sanear a área e distribuí-la com “os nordestinos”; era tudo que estes almejavam: um ligar para morar com água farta – cavava-se um metro no quintal e “dava” n’água.  

Desde os anos 1930 essa rua teve moradores “nordestinos”. A família de Aureliano Raimundo e Maria, toda a nação dos Lopes e Porfíro. A rua da Santa Luzia era espécie de periferia da cidade; os moradores mais antigos moravam na parte superior do Largo da Igreja, e da histórica rua Grande, que vai da hoje praça Rio Branco ou rua do Tamarindo até a Joaquim Távora, parte mais alta e salubre da urbe passagense.

Na rua da Santa Luzia moravam esses retirados da seca e de outras aventuras. Além de Aureliano, chefe de um ramo do Pau dos Ferros, os referidos Porfiro e Lizarda. Uma rua de homens e mulheres admirados por serem trabalhadores muito dispostos. Os “nordestinos” sempre foram admirados pelos locais, porque tinham jeito de empreendedores, davam um jeito em tudo, comiam bicho e fruta que passagenses não comiam, como, por exemplo, tripa de porco, camaleão, lapichó, jenipapo... 

Ali na Santa Luzia também morou o Valdir, “cearense”, valente, assim temido por muitos. Morou o Zito e Floriza e uma legião de filhos. O mestre João Ferreira  e dona Mercês E a dona Lourdes... Sua moradora mais conhecida e falada pelas linguagens dos adolescentes da cidade inteira.

Uma rua que dá muitas outras crônicas. Voltaremos ao assunto.    

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