domingo, 19 de janeiro de 2014

Seleta Piauiense - Martins Napoleão


O Poema da Forma Eterna

Martins Napoleão (1903 - 1981)


(Ó infinito sonho!

O grande céu azul desfolhado no espaço!

O homem pequeno e louco

E o barro úmido às mãos do oleiro cego!)





Expressar cada um

O seu minuto culminante de beleza,

O seu instante de bondade extrema,

O seu momento de heroísmo,

Na subitânea íntegra pureza

De uma forma imperecível!

Como o coágulo de luz no diamante sem jaça,

Qual se a gota de orvalho, porventura,

Imagem matinal do sorriso da luz,

Se condenasse repentinamente.





Não a forma perfeita,

Porém aquela, exata e duradoura,

De um ápice de síntese.





Forma que se transfunda, num jato, a substância

De um momento imortal entre dois limites inúteis do tempo fugaz.





Uma forma que seja — nos limites do vário e mutável — perene.

E possa traduzir a integração, a plenitude e a culminância

Do glorioso momento da vida:

O desejo de fixar o efêmero para o tornar eterno.

Como o oleiro inocente, com as mãos carregadas de sonho,

Procurar transmitir ao barro paciente,

Numa manhã feliz em que os deuses se vestem de luz,

O movimento, a vida, a elástica e nervosa agilidade

Da asa de um pássaro voando...





E o pintor, com os olhos impregnados de cores viventes,

Anseia revelar, numa combinação imprevista de tintas,

Em que a luz e a névoa se misturem,

E a virgindade da manhã se case

À difusa tristeza do crepúsculo,

Num tom maravilhoso,

O úmido olhar do amor que pecou por prazer...





E o músico, de coração sangrante de harmonias,

Tenta subjugar, num acorde que encerre

O resumo de todas as únicas notas supremas

Arrancadas das cordas soluçantes

Dos violinos de todos os artistas

Que morreram em êxtase de sonho.





A expressão musical das primeiras estrelas

Que iluminam o silêncio da tarde,

Como lágrimas de adolescentes...





E o atleta, que tem o sentido dos ritmos nos músculos submissos,

Busca perpetuar, numa imagem que esplenda

Clara e vibrátil como uma ode pindárica,

E tenha a assustadora beleza da vitória sobre a morte,

Ao pasmo olhar da multidão de fôlego suspenso,

O salto sobre o abismo.





E o herói, que mede o valor da vida pela beleza oportuna da morte,

Ambiciona cunhar, numa imagem que ostente

O soberano orgulho do desprezo

E a coragem consciente do perigo,

O simbólico exemplo

Do primeiro soldado que tombou

Com um sorriso nos lábios e uma rosa de sangue no peito.





E o santo que transcende as leis humanas

Aspira a eternizar, numa imagem que seja,

A própria infinitude de todos os êxtases

E todas as bondades sem nenhuma recompensa

O gesto irrepetível

Do instante de humildade e de renúncia

Em que se debruçou para beijar o leproso na boca,

Como um lírio num charco...





E o poeta, flauta cheia do sopro divino

Quer reunir, a um acesso instintivo de forças genésicas

Num canto absoluto

o irrelevado espírito das coisas,

A harmonia que ninguém ousou captar,

A beleza invisível para os outros.





E o lavrador, que espera a bendição de Deus,

Deseja aprender, numa imagem que vibre

Como a entranha da agreste companheira

Sob as primícias da maternidade,

A alegria da terra,

Rasgando o próprio seio sem doer

Para as eclosões das primeiras sementes.





Como o oleiro o seu momento de inocência criadora,

E o pintor, o seu momento de domínio incomparável da matéria plástica,

E o músico o seu momento de cósmica integração,

E o atleta o seu momento de vitória espetacular,

E o santo o seu momento de êxtase supremo

E o lavrador, o seu momento de esperança milagrosa

E o poeta o momento de seu canto absoluto

Todos aspiram a perpetuar-se

Moldando o grande sonho em forma eterna.





Todos desejam essa alegria perfeita

Da forma em que se transfunda, num jato, a substância

Do momento imortal, único, entre os dois limites extremos e inúteis do tempo fugaz.   

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