sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Missa de São Benedito

Fonseca Neto

Preste atenção nesta história...
Sabina, Severo, Januário, Gaudêncio, Pia e Doroteia: o que têm em comum tais nomes e tais pessoas históricas? Todos santos mártires venerados na tradição cristã-católica. O que mais dizer? Parte de seus corpos, como relíquias, jazem na igreja de São Benedito, no centro velho de Teresina, desde o dia da sagração desse templo pelo bispo de São Luís do Maranhão, 3 de junho de 1886. 
Pois na noite deste sábado, 21 de dezembro, até essas relíquias, de seu silêncio solene – além da colunata real e aparente da bela matriz –, ergueram-se para aplaudir a Orquestra Sinfônica de Teresina e o Madrigal Vox Populi cantando a Missa de São Benedito, composição e regência do maestro Aurélio Melo. Sem dúvida nenhuma, o mais relevante acontecimento musical de Teresina neste ano de 2013. Toda missa do rito latino tem idêntica estrutura textual, e realização litúrgica, há muitos séculos. Aurélio capturou a essência de tudo e compôs uma obra de arte para o Benedito que está em Teresina. 
Kyrie, eleison. “Senhor, tende piedade de nós”. Vozes, violinos, trompas, rogam aos céus piedade aos filhos da atroz escravidão; cantam a redenção sobre o túmulo-mor. dos excluídos de Teresina. Mártir Santa Sabina, aqui presente: cantai, rogai, intercedei. 
Gloria in excelsis Deo. “Glória a Deus nas alturas”. Violas, trompas, clarinetes, glorificam o Deus de múltiplos continentes; enaltecem o Deus dos desesperados que, retirantes e famintos, ergueram este templo face a face com o sol poente teresino, de intensa calidez. Mártir São Severo, presente: intercedei. 
Credo in unum Deum, Patrem omnipotentem. “Creio em Deus, Pai todo poderoso”. Cielos, flautas, solistas, proclamam a fé da negritude no Pai onipotente; na terra dos capatazes, há de ser do Justo o único poder. Mártir São Januário, presente: tocai e cantai junto; intercedei.
Sanctus, Sanctus, Sanctus. Hosanna in excelsis. “Santo, Santo, Santo. Hosana nas alturas”. Baixos, trombones, clarinetes, clamam uma terra e um céu glorificados; fim aos cativeiros ao redor da cidade e do mundo. Mártir São Gaudêncio: intercedei.
Benedictus. Benedictus qui venit in nomine Domini. “Bendito o que vem em nome do Senhor”. Fagotes, bombos, trompetes, bendizem os que vêm clamar a liberdade no reino dos cativos neste Alto da Jurubeba; Benedito, fizeste-te franciscano da cor da África que está do outro lado do Mediterrâneo, do Atlântico; vieste a cá proteger e inspirar o artista, orquestrador de teu adro-terreiro. Agora entendi: Aurélio veio de Oeiras e do Alto do Rosário veio junto o Benedito congo. Doroteia intercedeu. 
Agnus Dei. Qui tollis peccata mundi, miserere nobis. (Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós). Oboés, tímpanos, violinos, invocam altíssimas forças para a lavagem dos pecados do mundo; piedade Sebastião, de coração dilacerado, florando com o cinzel as portas desta casa de negros rezantes. Santa Pia, Mártir, aqui presente. Piedade.
Música é louvor. “Quem canta bem, reza duas vezes”. Diz o maestro Aurélio sobre essa criação, sacra de nascença, que, invocando-o, sempre foi ajudado por frei santo Benedito: este o contempla em imagem do alto da torre sineira e de outras sacadas.
Para essa igreja-monumento sonhada como lugar de liberdade dos negros de Teresina do tempo do cativeiro, de fato, foi um dia de santa magia gloriosa. Nos louvores a Benedito, fundiram-se os talentos de dois entre os maiores mestres artistas desta terra chamada Piauí, Sebastião Mendes e Aurélio Melo. Claro que essa noite tinha que ser luminosa, depois da tarde em que renasceu o Sol, deificando o verão. 
Luciano Klaus, regente do coral, a tudo dirigiu. Inclusive a edição em DVD, então lançada. Obra coletiva de real valor. Estrelas? A tudo assistiu Maristela Gruber. E na primeira fila, entre os presentes, a infanta Maria Clara, uma assistente muito especial, se disse leitora de textos meus e observou que têm palavras difíceis. Pedi-lhe tenha paciência; logo entenderá tudo. Agora fico imaginando esse latim, acima. Mas digo-lhe que muita gente grande não sabe, e precisa saber, o que é o verso “glória in excelsis Deo”, que barítonos e sopranos, trompas e trompetes entoaram na vodúnica e seráfica colina.
Missa benedita, aureliana. Amém.      

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