sábado, 30 de novembro de 2013

SAINDO DO GABINETE


José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Durante longo tempo, o termo Gerente dominou o mundo corporativo e empresarial. Hoje, o Gestor é quem se destaca, em vez do Gerente. Qual a diferença?

Comprei um carro, precisei regularizá-lo no Detran da avenida João XXIII. Burocracia, aporrinhação, desculpas: “sistema fora do ar”, “venha mais tarde”, “fotocópias”, “aguarde uma das nossas atendentes chamá-lo”, comuns na administração pública. Aborrecido, eu circulava pelo salão de atendimento, para espantar o cochilo da espera. Topava com pessoas, algumas angustiadas, e o desabafo me vinha à pele. Senhor grisalho também circulava pelo salão, observava a reação dos clientes, ouvia as reclamações com bálsamo da cortesia: “Aborrecido por que, moço? Em que posso servir você?” Curioso, indaguei-lhe: “Quem é você?” Prontamente devolveu: “Meu nome é Raimundo Filho, coordeno este setor, dê-me a papelada, siga-me até a minha sala”. Surpreendeu-me tanta gentileza em setor público do Estado.

Raimundo Filho não esquenta poltrona de seu gabinete. Costuma circular, observar o desempenho dos funcionários ou alguma insatisfação de cliente. Em se tratando de órgão público, uma raridade gerencial.

No universo das organizações corporativas, gerente é o que administra e ordena, enquanto o gestor, conforme os objetivos da empresa, cria um ambiente com harmonia sinfônica. O administrador encastela-se em gabinete e só atende a seletas pessoas, quase sempre estressado, tentando delegar delicadas funções de confiança a terceiros. Ao contrário do gerente, o gestor desce do trono e serve. Nem gerente isolado nem gestor. Quando as funções se unificam, os chefes seduzem e dividem o pão das alegrias e responsabilidades.

A função do gestor evoca a atitude do Mestre, levantando-se da mesa, tomando a toalha e bacia com água, servindo os apóstolos. Ritinha, professora e diretora da antiga Escola Técnica Federal do Piauí, em visita à sala dos professores, durante o recreio, observou alguns papéis jogados ao chão. A diretora debruçou-se, recolheu-os, lançou-os na lixeira. Nenhum sermão; o gesto seduziu os sujões. Em cerimônia do cinquentenário do Conselho Estadual de Educação, Átila Lira, deputado federal e secretário de Educação, presidia a mesa, mas se levantava a todo instante, descia do palco, dirigia-se à plateia, distribuía apertos de mão, um estilo peculiar do secretário, mesmo fora de campanha eleitoral.

O gerente age, habitualmente, de forma centralizadora. O gestor, porém, fica no meio-termo, tangenciando: nem gabinete nem salão. No mundo corporativo, sempre deve funcionar o meio-termo entre o gerente e o gestor. O adágio popular vele nessas horas: “Quem engorda o gado é o olho do dono.” Uma esperta diretora da minha escola convencia-me a permanecer na diretoria e evitar contatos com estudantes e professores: “Não pega bem a um empresário como você.” E eu me apavonava, ingênuo. Quando lhe percebi tamanho zelo, já tinha me engabelado e me usurpado a chave do cofre. Papa Francisco encanta o mundo pela simplicidade franciscana, de descer do trono da autoridade para abraçar o pastor evangélico, criança, gente anônima. Nada de gentilezas hipócritas, interesses eleitoreiros.


Entre virtudes, defeitos e riscos, o papel do gestor cai melhor que o de gerente. Raimundo Filho tinha razão. 

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