quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Política: paixão? patifaria?


Fonseca Neto

Tempos interessantes para revisitarmos estes versos duros e instrutivos do poeta alemão Bertold Brecht: 

O pior analfabeto é o analfabeto político. 
Ele não ouve, não fala, 
nem participa dos acontecimentos políticos. 
Ele não sabe que o custo de vida, 
o preço do feijão, do peixe, 
da farinha, do aluguel, 
do sapato e dos remédios, 
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro 
que se orgulha e estufa o peito 
dizendo que odeia política. 
Não sabe o imbecil que, 
da sua ignorância política, 
nasce a prostituta, o menor abandonado, 
e o pior de todos os bandidos, 
que é o político vigarista, 
pilantra,corrupto 
e lacaio dos exploradores do povo”.

Esse doce libelo de Brecht, vem junto com este outro pensamento famoso dele, em “Vida de Galileu”: "Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso."
No rescaldo das manifestações de rua e ainda lendo através do embaçamento da própria fumaça que geram, já se pode dizer que elas traduzem um repúdio às práticas políticas medianamente em curso no Brasil. Com a novidade, muito significativa, de que a juventude não considera mais “políticos” somente os carreiristas “profissionais” conhecidos; outros atores já são também reconhecidos como “políticos” – e por que manifestantes estariam quebrando também microfones e emissoras?Tanto isso é verdadeiro, que esses “políticos”,ligeirões, defendendo-se, agiram e já faturam algumas vitórias no abafamento das vozes e intenções manifestas. 
Atente-se para o esforço de tais “políticos” tentando fazer com que o grande público acredite que não tem nada a ver com políticaas reivindicações sobre transportes nas cidades caóticas, serviços de educação e saúde praticados pela esfera estatal e a corrupção de cabo a rabo na sociedade, entre outras questões.
Ora, no conceito mais amplo, os humanos que se organizam para viver sobre a Terra fazem política o tempo todo. A atividade política é inerente à vida social e ainda não se descobriu um jeito de viver sem política. Até o papa, anteontem, no RJ, clamou pela reabilitação da Política.São, pois, de má fé,“criminosos”, os que sabem que política é essencial e tentam enganar (e enganam mesmo) a maioria do povo sobre o assunto. 
É o que está acontecendo neste momento: quando “políticos” perceberam que as manifestações radicalizavam-se contra eles, uniram-se (há exceções), para dar um jeito de retirar os manifestantes das ruas e simularam fazer o que nunca quiseram fazer antes. Isto é, agiram com relação à rua como se a ela tivessem ido os “idiotas” dos analfabetos políticos brechtanos – e, no contexto, não o seriam, não?
Veja-se a mediada das coisas: das ruas protestando aos “políticos” unindo-se para blefar contra os próprios manifestantes, fez–se o percurso que vai das paixões pela política à patifaria de “políticos”. 
Um grande exemplo das manipulações em curso está na chamada “reforma política” e começa pela ideia de que, nem manifestantes e nem a própria sociedade estariam interessados que ela venha a ocorrer, usando cinicamente o argumento de que “o povo quer é educação, saúde etc.” e não mudanças na forma de “fazer a política”. 
O maior flagelo da democracia – experiência Brasil – é esse déficit de compreensão sobre o processo político e muita gente idiotamente repudiando a política, a pretexto de não fazê-la. 
Por tudo isso, essas manifestações de rua, atos políticos com sinais de desejável radicalidade, o primeiro e eficaz efeito que produziram foi contra elas próprias, pois tiveram roubado o encanto radical no nascedouro. Como? Quandoforam prontamente enquadradas e controladas pela esperteza da patifaria “política”.
Desejável que a constatação dessa esperteza cínica, politize no sentido maior da expressão de Brecht, e evidenciea requalificação da atividade política como tarefa para as dignas paixões e não campo de danação dos patifes contumazes.  

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