quarta-feira, 26 de junho de 2013

Dois epílogos para os ditadores


Dois epílogos para os ditadores

Cunha e Silva Filho

Não existem diferenças entre os ditadores no que há de essencial nos aspectos da persona que encarnam. Na América Latina, por exemplo, tudo indica que praticamente estão saindo de cena, e a tendência é que, com a morte deles, sumam de cena das chamadas sociedades democráticas. No Brasil, tivesse havido punição logo após a redemocratização de nossa vida política e de nossas instituições, os culpados da repressão militar seriam punidos com mais propriedade, e as autoridades responsáveis pelo regime discricionário  teriam  recebido suas punições, seja qual fosse a patente que detinham.

Alguns de nosso ditadores militares considerados mais autoritários juntamente com alguns civis que exerciam funções de relevo no governo federal foram na realidade considerados culpados pela ações repressoras pelas quais o país passou. No entanto, entre nós, todos os presidentes militares já são falecidos.

De que modo poderiam eles agora serem  julgados por crimes contra a humanidade ou por torturas contra os adversários do regime, quer fossem militares, quer civis? Obviamente, somente us poucos dos civis que apoiaram o regime militar ainda se encontram vivos e até hoje permanecem ilesos.Para falar a verdade, parte da sociedade brasileira esteve ao lado do regime. Por conseguinte, torna-se quase uma abstração procurar punir a massa da sociedade que apoiou a ditadura.

O papel da Comissão Nacional da Verdade, autorizada pela presidente Dilma Rousseff, tem o compromisso de discutir a situação e de traçar planos de medidas a serem adotadas a fim de encontrar aqueles que devem ser responsabilizados pelo desaparecimento de militantes políticos, pelos que foram assassinados e torturados durante a repressão. A própria presidente Dilma Rousseff foi vítima da tortura, segundo declaração feita em público. Desta forma, a Comissão de saída mostra-se um instrumento um tanto enfraquecido para dar um passo decisivo no avançar desta questão devido a muitas dificuldades e óbices para reunir provas que chegassem aos responsáveis diretos pelos vários tipos de violação dos direitos humanos por parte dos membros de repressão, em cujo grupo poder-se-iam incluir tanto homens das forças aramadas como da polícia civil.

Além disso, é notório que os membros mais elevados sobre os quais recaem as responsabilidades já se encontram mortos e sepultados.

A Lei da Anistia veio para reconciliar os segmentos militares e civis, ou seja, instalou-se para restituir os direitos políticos de brasileiros cassados pela ditadura militar. Parte considerável deles vivia no exílio, Eram professores secundários, professores universitários, cientistas, escritores, artistas, em suma, gente oriunda das várias atividades profissionais.A despeito disso, parentes das vítimas, e mortos  pela repressão têm direito de reivindicar o paradeiro dos entes queridos desaparecidos e assassinados, e, como tal, igualmente têm o direito de exigir punição para torturadores declarados. Obviamente, isto exige profunda investigação para cada caso de modo a evitar-se ações atabalhoadas que poderiam penalizar inocentes ou pessoas que, por um motivo ou outro, não fossem devidamente investigadas e consideradas erroneamente como  culpadas.

A tortura, seja qual forma assuma, psicológica, física, é um ato tão vil e abjeto que não se coaduna com a racionalidade humana e, por isso, não deve ser praticada ainda que seja por ordem de superiores na hierarquia do poder. Se ela se comporta assim é porque a hierarquia deixou de ter validade e transformou-se em força bruta, animalesca, covarde e abominável . Tal se deu com o nazismo, nos crimes do Holocausto, Quer dizer, ao ser praticada, ela esquece os limites do respeito ao ser humano e age como monstros destituídos de sentimentos elevados.

Acredito que os militares das novas gerações tenham uma outra visão das atrocidades cometidas durante os “anos  de chumbo” (1968-1974), i.e., o período mais repressivo dos governos militares. São jovens com outra formação político-histórica. Creio mesmo que hoje só aspiram desempenhar seu papel em defesa do território brasileiro e da estrutura político-institucional. Este é o papel que efetivamente lhes cabe na conjuntura contemporânea.

A longa experiência ditatorial que tivemos serviu às Forças Armadas como um exemplo deplorável que jamais se deve repetir numa fase histórica em que o pais está consolidando sua vocação democrática  e seu quase pleno  amadurecimento de nação  em desenvolvimento servindo de modelo a outros países do mundo que não alcançaram esse nível de progresso.

Julgo que a Comissão Nacional da Verdade tem um desafio delicado pela frente e há de encontrar uma maneira de atender aos apelos dos que sobreviveram à violência de um regime de força e dos que perderam seus entes queridos, muitas vezes de forma injusta e descabida. Tudo deverá ser medido e qualquer decisão que peque por excessos deverá ser evitada, principalmente porque estamos muito distantes do início sombrio de uma era que não queremos mais ver se repetir.


Se os homens da lei não resolvem alguns crimes que permanecem impunes, por fraqueza das instituições, os criminosos e torturadores, no íntimo de seus seres, na consciência pesada de seus delitos, e com a chegada da velhice, dos achaques e da falta de reconhecimento da sociedade, são por eles mesmos punidos. Não há sentença pior do que a consciência pesada de ser contemplados pelos outros como um abominável criminoso.

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