terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Reminiscências do Monsenhor



Fonseca Neto

O chão do planalto Vermelha abriu-se neste sábado, 1º, para receber o corpo do Luís, que logo mais germinará e florirá nesse jardim paroquial particular de Teresina. Ali nasceu. E agora cumpre o destempo da Verdade inafastável. Seu ser essencial tratam-no, os Anjos, inclusive os de sua mãe, Maria, nas conduções harmoniosas rumo ao Paraíso. 
Pois é, partiu o padre Luís Soares de Melo. Imagine-se o pároco da secular matriz Das Dores – privilegiada com a cátedra do bispo – e uma multidão fidelizada, nos últimos 44 anos. Trata-se da segunda paróquia de Teresina, inaugurada com o verbo fulgurante do padre Raimundo Alves da Fonseca, ainda no Oitocentos. E, bom sinal de todo tempo, Luís a conservou, com a fala humanamente pastoral. Um radical? Sim, um radical da simplicidade não arrogante.
Quando cheguei aqui fui morar na jurisdição de sua paróquia; em pouco tempo o conheci. Naquela região do Barrocão, eixo-duto e transversal dessa paróquia central, era ele muito acatado – mais para cima, a juventude e a UMC, que tanto animou; mais para baixo, anos depois, a casa vicentina. E por ali, diariamente, o padre Luís, já vigário-geral arquidiocesano – aliás, já cruzando com um garoto chamado Amadeu F°, nosso vizinho naquela avenida que é rua e que se chama até hoje de “José” e “dos Santos” (rsrsrs).
Encontrei padre Luís, mais tarde, na Ufpi: meu professor de Introdução à Metodologia Científica –oriundo do quadro magisterial da Faculdade Católica de Filosofia, integrara o corpo docente inaugural da primeira universidade do Piauí. Muito diligente no exercício da mestria professoral, o fazia com elevado esmero e sem nenhum rebuço. Iniciava-nos o método científico de elaboração do Conhecer, enquanto clamava atenção para o grande valor de um instrumental nessa fazença: a língua, a linguagem, a fala, o vocábulo –o aprender ler e bem escrever. Lembro, a propósito, de uma sessão de correção de exercícios. Um colega escreveu “almento” querendo dizer “aumento”. E ele se passou ao quadro-giz e aquele dia foi uma ótima aula sobre o radical arabesco “al” e o latino “au”. O latim, então, era campo de domínio em seu labor, fundamento de seu pensar formal –claro, além do latim das liturgias, ele travara contato com as fontes do pensamento ocidental a partir desse cânone da forja helenística. 
Agora seu sucessor no sólio paroquial, o monsenhor Amadeu Matias Bernardes, F.°(lembram-se do citado garoto do Barrocão, que veio das bandas pimenteiranas?) fez a celebração exequial do meio dia, cheia de ardor,ante o corpo de Luís jazendo sob o arco-cruzeiro da catedral. Na homilia de despedia, com serenidade eloquente que eu jamais vira desse modo, realçou o sentido das virtudes sacerdotais dele, do homem “bíblico, teológico” e de sua condição de vivente que entregou a vida em solo de humanidade, para servirà igreja da qual se fez ministro ordenado, primeiro fiel entre os fiéis.
Ainda que não tendo dado maior expansão a eles, padre Luís deixa bons textos. Por insistência de muita gente amiga, na antevéspera do “cair doente” seu corpo físico, brindou-nos com um livro, cuja leitura permite-nos apreendê-lo, inteiro,em seu existir essencial: o homem simples que se fez padre e rente ao povo quis viver o tempo inteiro, em que pese a convivência próxima com todos os príncipes arquiepiscopais de Teresina, de Avelar a Jacinto. 
Nesse livro – “Reminiscências de Theresina” – fixou a presença de homens e mulheres do povo vermelhano de sua convivência no bairro natal, sobretudo na meninice e adolescência. Retira do limbo de certo obscurecimento, entre outras,as pessoas históricas de “dona Generosa”, “Joana”, “Rosinha” (a primeira professora), do “Cascavel”, “Benedito Caçador”, “Joca das Areias”, “Joaquim Tomba”, o “Amadeu” (“poeta itinerante” dos velórios), “Tia Luísa” (“crente convicta”), do “Pintassilgo”. Relembra a dor dos pobres na tragédia dos “incêndios” da era de Quarenta. Publica a “Salmodia piauiense”. 
E antenado, lastima: “poderia haver corpo mais estranho no organismo da globalização do que um analfabeto... na era da comunicação”?Eis uma tarefa do catecismo ainda hoje.

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