segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Com Pretextos




*Francisco Miguel de Moura – escritor

            Não há pretexto melhor para uma crônica do que a morte de um homem simples e genial, que tinha suas próprias convicções, mas nunca foi político nem escreveu livros, exceto “Minha experiência em Brasília”, depois de ter colocado na prancheta o projeto da cidade mais original e mais moderna que existe no mundo. A corrupção política não chegará ao cúmulo de corromper ou fazer ficar esquecida essa obra gigantesca da arte, no mundo contemporâneo. Editores, estão dormindo? Sonhando com vampiros? Acordem.
            Brincando comigo mesmo, digo que minha meta de vida é a do Niemeyer: viver muito e produzir mais e melhor. Bem que eu gostaria de escrever algo daqui para frente muito melhor do que já escrevi. Também fazer como o Oscar Niemeyer: Não misturar ideologia com arte. Pouca coisa se escreveu sobre ele, salvo as entrevistas, uma ou outra notícia que se tornaram manchetes de jornais e revistas. Mas o suficiente para ter uma ideia de sua biografia pode ser encontrado na internet/wikipedia. Neste país se escreve tanto sobre políticos e políticas que dá nojo. Até sobre uma Sra. Zélia de Tal (que não pode ser a escritora Zélia Gatai), e sim aquela que foi ministra do Color, rechassado do poder por causa da prepotência e da corrupção. Já escreveram livros até sobre o Lula, repetindo tolices publicadas na imprensa. Tem gente querendo que ele seja intocável, um ídolo, um santo, com uma estátua na praça, só porque ele disse “nunca ninguém antes, neste país...” como se o Brasil tivesse começado com ele e os petistas.  A frase, eu completaria apenas assim: “Nunca antes, neste país, um governante eleito conseguiu juntar tanta gente ruim na cúpula e na formação do governo como ele fez. Quem não assistiu e está assistindo até o último momento ao “julgamento do mensalão”? Graças ao Poder Judiciário, que, apesar de ter seus membros nomeados pelo Executivo, não se corrompeu”. Foram só alguns que deixaram rastros, outros ou muito mais poderiam ser enquadrados. E o próprio Lula, ficou de fora (até agora), porque “não sabia de nada, não viu nada”... Quem acredita nisto? 
    Fala-se mal de Fernando Henrique, que não foi tão ruim e não precisa ser “demonizado”. Mas ninguém fala em Juscelino Kubtschek, o construtor de estradas, o desbravador do Planalto Central, criador de Brasília para ser a nova Capital do Brasil, com a grande, imensa ajuda artística de Niemeyer. Foi assim: - Oscar Niemeyer e Juscelino tornaram-se amigos desde quando este era Prefeito de Belo Horizonte. Daí, praticamente começou a parceria artístico/política. Nosso Oscar Niemeyer já havia realizado o prédio do Ministério da Educação, no Rio, concluído em 1945, a primeira obra inovadora da arquitetura contemporânea. Nos anos 1940, sendo prefeito de Belo Horizonte o Dr. Juscelino Kubtschek de Oliveira (este que se tornaria, mais tarde, o melhor Presidente do Brasil), encomendou a Niemeyer o desenho do conjunto arquitetônico da Pampulha.  Começara ali a bela parceria cujo alto momento foi Brasília, nos anos 1960. “Niemeyer foi o arquiteto que inventou o Brasil na ponta dos dedos”, até mesmo alguns severos críticos admitem esta verdade, registra a revista VEJA (ed. de 12-12-2012).  Desde o início suas obras foram influenciadas por seu mestre franco-suíço Le Corbusier. A essa influência, o mestre Oscar Niemeyer acrescentou sabiamente a linha curva, em cuja direção fez milagres.
    “A vida pode mudar a arquitetura. No dia em que o mundo for mais justo ela será mais simples.” Esta frase representa bem sua ideologia política: o humanismo, justiça e liberdade.  No fundo, Kubitschek também queria a mesma a coisa, tinha os mesmos princípios aos quais aliava, à fé, a força e a ousadia. Queriam justiça, não por cima, nem por baixo, mas para todos, pelo meio. Basta olhar-se a igualdade dos prédios de apartamento do Plano Piloto, para que tenhamos a prova.  Para fazer o país mudar, em apenas CINCO anos, construiu estradas, rompeu com o FMI e levantou Brasília no barro vermelho do solitário Planalto Central. Empregou muita gente. Não deu esmolas. Era um homem simples, perdoava os seus perseguidores (e teve alguns): Mandava prendê-los hoje e amanhã já os soltava, perdoando a todos. Nunca mais tivemos um Presidente como ele. E talvez demore muito, por causa dos desmandos da era “petê”. Como também ninguém sabe quando virá um artista inventivo, genial, como Oscar Niemeyer, com suas linhas curvas. E aqui, eu, como um simples observador da natureza, não acredito que haja linha reta, todas são curvas no universo. O que chamam de linha reta são apenas pontos iguais, na mesma direção, como se fossem soldados em fila, de prontidão, ou mendigos em busca de alguma esmola. Todos os grandes artistas são curvos, tortos como o anjo de Drummond, também nosso maior poeta do século XX. 
    Eis a obra de Oscar Niemeyer, o mestre de toda uma geração: “Todos os mais de 600 prédios, palácios, residências, templos e monumentos assinados por ele, em 15 países. Ficarão como marcas indeléveis do que houve de belo no séc. XX, um tempo sangrento de duas guerras mundiais, do embate de morte entre duas concepções de mundo, o capitalismo e o comunismo defendidos ferozmente por arsenais nucleares de lado a lado que, combinados poderiam destruir o planeta Terra milhares de vezes. Niemeyer nunca teve dúvida qual era o seu lado. Sempre foi comunista” (Gabriela Carelli, VEJA, 12-12-2012). Ora, naquele tempo, quem não era comunista, sobrava a pecha de ser fascista, estar do lado de Hitler. O homem é sua vida, seu tempo e sua obra. Revolucionário na obra - na vida foi um cidadão pacato, comum, sem marcas que desmintam o homem direito que foi. Sabia distinguir as teorias, a política e a arte. Normalmente aqueles que assim não agem terminam por arrepender-se. Niemeyer não se perturbava com a rotineira pergunta da imprensa: “Você é comunista?” Desde os anos 1960 até a morte, respondia “sim” e acrescentava: “Estou velho demais para mudar”.
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*Francisco Miguel de Moura – escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, reside em Teresina, PI, e é também membro da IWA -International Writers and Artists Association - Estados Unidos.

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