sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Brasil, respeita Gonzagã-ão..!



Fonseca Neto


Quando eu voltei lá no sertão
Eu quis mangar de Januário
Com meu fole prateado
Só de baixo, cento e vinte, botão preto bem juntinho
Como nêgo empareado
Mas antes de fazer bonito de passagem por Granito
Foram logo me dizendo:
"De Itaboca à Rancharia, de Salgueiro à Bodocó, Januário é o maior!"
E foi aí que me falou meio zangado o véi Jacó:
Luiz respeita Januário
Luiz respeita Januário
Luiz, tu pode ser famoso, mas teu pai é mais tinhoso
E com ele ninguém vai, Luiz
Respeita os oito baixo do teu pai!
Respeita os oito baixo do teu pai!”

Essa versejação musicada é de uma beleza sem par. Agora aos cem anos a nação deve cantar: “Brasil respeita Gonzagã-ão / Brasil respeita Gonzagão / Brasil, tu pode ser famoso, mas teu povo é mais tinhoso / E com ele ninguém vai, Brasil / Respeita os mil gosto do teu povo! Respeita os mil gosto do teu povo!”
Comovente o ano de celebrações do centenário de Luiz Gonzaga do Nascimento. Nunca se tinha visto coisa igual no Brasil. Homenagens justíssimas. No país de tantos reis, o “rei do baião”, coroado pelo povo dos sertões. Súditos? Milhões de dançantes e brincantes, de baião, xote e xaxado. De marchinhas de folguedos, de arrastado e  chegança.
Este 2012 gonzagueano deixa ainda mais atiçada na alma da população brasileira a poesia dos rincões de dentro, da zona do Agreste onde nasceu o artista, no Exu. Cidade que, definitivamente, é a capital do baião, lugar do interior que viu a sucessão na dinastia sanfoneira, de Januário a Gonzaga.
O conjunto da obra desse artista do povo é a expressão genuína de um inventário da miunça da poética popular do sertanejo. Miunçaia das cantigas da gente da região inventando a vida enquanto tange ao chiqueiro o bicho cabrum, pisa o chão rachado nas securas sem fim, esperam relampejar no norte, e ver voar a arribaçã.
Pernambuco é musical, do Recife ao Araripe; tem cantador a mancheia, violeiro e rabequeiro. A pernambucanidade dilatada espalha baião às lonjuras: do Caruaru ao Seridó, de Salgueiro a Pirapora, do Cariri ao Inhamuns, de Araripina ao Maranhão, de Cabrobró ao Piauí. Nessa grande região, de agreste, caatinga e chapada, também há muito de vasos, de cerrados e vales verdes; é o país de São Saruê e são daí o motejador de Assaré, patativa do “siará”. E todos os caminhos dela levam a feiras de usanças, de cordel e viloleiro, onde cantador em mote, cria versos e cidades; tem cangaceiro e bacamarte, catolé e umbuzeiro, tem juá e juazeiro, e quem manda nim tudo é o padim. 
Luiz Gonzaga nasceu no dia da santa das chuvações; depois dela é São Tião, e depois do vinte de janeiro, São José de Baberibe. Lá nas bandas do Exu, também se reza a Birino, São Severino dos Ramos, pois a vida ali é, também, severina e cangaceira.
O letreiro gonzagueano e os sons de sua januária sanfona são o límpido detonar musical das artes desses lugares da geografia humana dos brasis. São o canto da terra, sussurros em flor e ferro, dor e esperança, lamento e devoção. É um silabário arredondado para sextilhar a estrofe e para arrematar a rima. No falar do sertanejo, pegando carona em rompante, há velhas sílabas enxeridas, do vasconço vindas a cá, pelejando pra viver. Pois na letra dos amigos e na voz do Gonzagão, tornaram-se a voz do Brasil.
Neste Centenário, Pindorama inteira o cantou. Claro, aquela São Paulo esnobe, quatrocenta e ignorante, que acha que é o Brasil, uma vez mais fez que não viu: o folhão de sua zelite, malvada no preconceito, na deslustrada do 13, cantou glórias à banda inglesa dos Stones cinquentões e espicaçou Pernambuco, dos dois Luís do lugar, o Inácio de Caetés e o Gonzagão do Exu. 
Orgulho de Teresina ter esse moço como seu cidadão. Esta cidade ouviu o toque desse corneteiro nas alvoradas antigas. Ela o canta popular e agora o toca sinfônico.

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