sexta-feira, 23 de novembro de 2012

SAUDADE DE NOSSOS RIOS





21 de novembro   Diário Incontínuo

SAUDADE DE NOSSOS RIOS

Elmar Carvalho


Faz poucos dias, recebi o seguinte e-mail do amigo Itamar Abreu Costa, que além de médico de nomeado é intelectual e ambientalista, aos qual acrescentarei, no final, breves comentários:

Década de 60. Tínhamos um rio caudaloso – Rio Poty. Vários pontos de banhos: Rua São Pedro (Poço da Palmeira), Avenida Frei Serafim (no terreno do seminário). Rua Santa Luzia era a entrada para as “croas”. Avenida Jacob Almendra era a via de acesso para as "croas" do Bairro Cabral. Pescadores, lavadeiras nas pedras nos "noivos", as quintas com Mangais no terreno cercado onde hoje existe a floresta fóssil e Cepac.

Jogávamos bola nas diversas coroas formadas no verão pelo Poty, ali criamos vínculos e formamos nossa personalidade. Tínhamos contato com as pessoas aparentemente humildes, porém dotadas de orgulho de pertencerem ao rio. Eles tinham domínio sobre o seu território: "Milton"(no Porenquento), "Quibão" (na Santa Luzia) eram exemplos de craques formados na escola de futebol da vida.
Tínhamos nosso espaço e por ele zelávamos, respeitávamos os transeuntes. Time da Primeiro de Maio: Celso Carvalho, Sandoval, Paulo e Honorato Emérito, Emanuel, Lucimar, Bruguelo, Doutor do Lourival, Itamar, Gereba, Oscarito, Maguim, Fina, Chiquinho, Sosão, DIGUDURA, Pedro Bogodó, Vagner, Carlos, Campo Maior, o craque maior e nosso goleador, protetor e ídolo PANZILÃO e tantos outros.
Time da Piçarra: Idelmar, Dim, Chico I e II, Lagadu, Banana, Kim, Luiz, Titela, Quibão, Jura, Piripiri, Carlito Costelinha, Carlito Avião, Irmãos Piauilino (Paulo, Eduardo e Joaquim), Majella, Valter,Goió, Moreira I e II, Bibio, Iratã etc.

O rio salvou e evitou que centenas de ribeirinhos passassem fome, era piscoso e assim os pescadores mesmos amadores vendiam todos os dias a sua produção de casa em casa. As crianças e jovens nadavam sem risco, não havia notícias de afogamento. Naquela região futebol era educativo e evitou que jovens enveredassem pelo caminho das drogas. Muitos hoje são professores, militares, médicos, engenheiros, empresários etc.

O tempo passou e agora é a hora de salvarmos o Nosso Rio Poty, precisamos de ações mais efetivas, estruturadas e técnicos experientes em despoluir rios. Depois da ponte Wall Ferraz já não existe o tão encantador leito do rio; uma vasta faixa de terra preenche hoje o que era bonito anos atrás. Dragagem? Abrir canais para circular o precioso líquido, alguma coisa tem que ser feito Urgente!
O Poty pede socorro!”

Resolvi publicar o texto acima do doutor Itamar Abreu Costa pela beleza saudosista e bucólica que encerra, pela mensagem ecológica nele contida, que é na verdade uma advertência a todos nós, e sobretudo ao poder público, que nunca envidou reais esforços para salvar os dois rios que formam a mesopotâmia teresinense, e que lhe emprestam singular beleza. Quando as águas baixam, todos nós podemos ver as bocas fétidas dos esgotos, que lançam sujeira nos rios Poti e Parnaíba, sem nenhum tratamento.

Os igarapés, que ornam o Poti, e que nos encantam, na verdade são o triste sinal de que esse rio está muito poluído, pois essas plantas “adoram” um ambiente líquido com material orgânico em decomposição. Certamente com a sujeira e com a água estagnada e poluída, a oxigenação não pode ser boa, o que prejudica os peixes. Não é à toa que os pescadores se queixam da falta deles, quando outrora esse rio foi bastante piscoso. Portanto, não obstante a sua deslumbrante beleza, a proliferação de aguapés é sinal de que o velho rio está gravemente enfermo. Como disse o poeta, há flores que enfeitam a vida, e há flores que enfeitam a morte. Os aguapés são uma beleza trágica, fúnebre, porquanto são o enfeite da lenta agonia de um rio já quase morto.

As coroas, tanto do Parnaíba como do Poti, que eclodem quando as águas minguam, são também o triste sintoma de que esses rios não estão bem; são indícios de que eles estão assoreados. Quanto mais eles fossem estreitos e profundos mais eles estariam saudáveis. Com o avanço dessa fina e larga lâmina d' água a navegação, que já praticamente não existe, cessará de todo, e num futuro talvez não muito remoto o curso do rio poderá ser interrompido, cortado; restará apenas poços ao longo do leito. No Parnaíba há uma grande coroa, a que o povo deu o nome de coroa assassina. Na verdade, é o contrário; a coroa é apenas o sintoma mais visível de que o rio está sendo assassinado pelo desmatamento das matas ciliares (fora outras causas), que provoca o assoreamento de seu leito.

Morei em Teresina de setembro de 1975 a março de 1977, quando retornei a Parnaíba a fim de cursar Administração de Empresas, que então, no Piauí, só existia naquela cidade (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso). Nesse período em que residi nesta capital, cheguei a participar de piqueniques às margens do Parnaíba e do Poti, que na verdade não passavam de reuniões de amigos, com tiragosto e a presença indefectível do velho pirata Ron Montilla, que sempre se fazia acompanhar de Coca-Cola e limão. Faziam parte da turma, quase sempre, o Otaviano Furtado do Vale e o José Francisco Pinto, e mais duas ou três garotas, às vezes.

Praticamente não existia violência, e ninguém perturbava essas juvenis libações, regadas a uma boa conversa. Preferíamos a margem esquerda, do lado de Timon, nas proximidades da bela Ponte Metálica, em área sombreada por frondosas e exuberantes mangueiras, que nos ofertavam o frescor de sua sombra amiga. A travessia, no lombo de alguma morosa chalana, já fazia parte da festa, e nessa época tudo era festa e motivo de festa. O rio não era muito poluído, e podíamos tomar um belo banho, sem nenhum temor de pegarmos alguma doença de pele.

Numa dessas infucas, exploramos as matas do entorno da floresta fóssil, situada na margem direita do Poti. Com o João Francisco, empregado da ECT, na qual eu também trabalhava, pratiquei algumas libações debaixo das enormes mangueiras, que existiam na margem esquerda desse rio, perto de onde hoje se ergue o prédio da Agespisa. A trilha sonora era ditada por um pequeno rádio, que o João Francisco levava.


Esse bom boêmio entendia que as músicas pelo rádio deveriam ser mais valorizadas, pois não podíamos escolhê-las e muito menos repeti-las. Portanto, tínhamos que ouvi-las com a máxima atenção. Nessa época eu ouvia, com muita paixão e enternecimento, a música “Meu mundo e nada mais”, de Guilherme Arantes. A poesia, musa arisca e arredia, me cortejava, e me boiava à flor da pele.

Ao retornar novamente para Teresina, em agosto de 1982, ainda me arrisquei a ir algumas poucas vezes a algumas das coroas do Parnaíba, em companhia do amigo e compadre Airton Meneses, poeta parnaibano, que aqui veio morar em breve temporada. Nessas ocasiões tive a temeridade de tomar banho, quando as águas nesta capital já eram reconhecidamente poluídas.

Certa feita, participei de uma pescaria noturna, perto da ponte metálica, juntamente com Walter Mendes e Silva, Chaguinhas, Atanásio, Luiz Moura e Martinho, meus colegas da extinta Sunab. A pescaria na verdade foi só uma boa desculpa para tomarmos umas boas talagadas de calibrina, festejarmos a vida, e batermos um bom papo, recheado de saborosas anedotas e piadas.

O rio, na época, já mergulhava em progressiva poluição, e já naufragava em lenta mas inexorável degradação ambiental, sobretudo o assoreamento de seu leito, cada vez mais largo e mais raso, até o espetáculo quase teatral da famosa barca do sal, que Parnaíba arriba, mal conseguiu chegar a Teresina, quase se arrastando pelas águas barrentas e rasas, aos trancos e barrancos, encalhando aqui, se desviando dos traiçoeiros bancos de areia acolá.

Se nada for feito, e nada está sendo feito, as mortes do Parnaíba e do Poti serão apenas duas mortes de há muito anunciadas, sob o mais indiferente e acintoso descaso das autoridades (in)competentes. Certamente as carpideiras oportunísticas de plantão irão derramar as suas hipócritas lágrimas de crocodilos (com o perdão destes animais, que são apenas vítimas da poluição e do soterramento das águas). 

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