quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE CORONÉIS E OUTRAS HISTÓRIAS




26 de setembro

HISTÓRIAS DE CORONÉIS E OUTRAS HISTÓRIAS

Elmar Carvalho

Em virtude de estar sentindo dor de cabeça há algumas semanas, fui me consultar com o neurologista Antônio de Pádua Rego Júnior, com quem entretive rápida conversa, nos breves momentos em que isso foi possível. Já sabia que ele era dos Rocha de Bertolínia e Jerumenha, informação que ele me confirmou. Disse-lhe que passei várias vezes por essas duas cidades, nos quase quatro anos em que fui titular da Comarca de Ribeiro Gonçalves.

Em muitas oportunidades, fiz essa viagem a bordo de velho ônibus da Princesa do Sul, em companhia do colega João Batista Rios, digno magistrado de Bertolínia, no mesmo período em que servi em plagas ribeirenses. Sobre essa circunstância, me reportei no meu trabalho Tempos Ribeirenses, publicado na internet e em formato impresso.

Alta madrugada, chegávamos à urbe bertolinense, fundada por Bertolínio Rocha, avoengo do Dr. Antônio de Pádua, onde o Dr. Batista Rios continuaria o seu sono de forma mais tranquila e confortável. Eu ainda enfrentaria centenas de quilômetros, em esburacada rodovia de piçarra, por várias horas. Rios, que chamo de reverendo, por ser ele católico fervoroso, fez algumas pregações importantes em Bertolínia, de sorte que, sem ser padre nem pastor, está se tornando um dos maiores oradores sacros do Piauí.

O médico Antônio de Pádua me contou alguns casos e fatos interessantes de Bertolínia e de seus ancestrais. Numa de suas histórias, uma mulher desse município ficou viúva, quando tinha apenas 18 anos de idade. Era muito bonita. Um viajante, natural de pernambuco, se encantou com sua beleza, e também, quiçá, com os seus cabedais.

O velho coronel e seus filhos não aprovaram o namoro, e o fato é que o moço terminou sendo morto. Vários parentes pernambucanos do rapaz tentaram vingar-lhe a morte. Disso resultou que morreram aproximadamente nove pessoas, de ambas as partes. O processo penal tramitou na comarca de Floriano, salvo engano, ou na de Jerumenha.

Em outro antigo caso, que o Dr. Antônio de Pádua me relatou, uma jovem da localidade apareceu grávida, sem o devido casamento, o que era raro naqueles tempos e naqueles confins. O coronel, patriarca do clã, quase um senhor feudal, não gostou que sua filha engravidasse sem o recomendável casório, que ademais deveria passar pelo seu crivo e aprovação. Aliás, consta que já mandara castrar mais de um deflorador de filhas de seus agregados, quanto mais de uma filha sua. Colocou a moça sob confissão, mas ela nada revelou. Com o seu prestígio político, exigiu fosse feita rigorosa investigação.

Depois de muito trabalho, soube-se que a jovem teria engravidado na igreja. O delegado, usando naturalmente dos métodos truculentos da época, inquiriu o sacristão, posto que o padre já tinha dado, há algum tempo, às de Vila-Diogo, parece que com destino ao Vaticano, onde fora estudar. Como o sacristão não revelasse o nome do autor da proeza, que tanto ofendera o orgulho do coronel, foi trancafiado na cadeia, até que abrisse o bico, e declinasse o nome do ofensor. Depois de muitas idas e vindas procedimentais, chegou-se à conclusão de que a donzela teria concebido com o auxílio do Espírito Santo.

Não vai nisso nenhum sacrilégio, já que toda gravidez é, em si mesma, um verdadeiro milagre. Afinal, como dizem os islamitas, como é que de uma água vil pode ser gerada uma pessoa? O certo é que o ícone, que representa a pomba do divino, foi retirado do altar da igreja local, e ficou detido por algum tempo. Pelo menos é isso que que rezam a crônica e a lenda da família.

Contudo, essa história não teve um final trágico, como era de se esperar, com morte ou castração do ofensor da honra da moça. O padre retornou de Roma e assumiu a paternidade, tendo antes pedido a devida licença à Igreja Católica Apostólica Romana para contrair matrimônio. Esse sacerdote foi figura eminente e respeitável da história do Piauí. Era um homem digno, e jamais poderia ser comparado, mesmo por remota associação de ideias, ao padre Amaro do extraordinário romance eciano.

Essas narrativas do Dr. Pádua me fizeram lembrar uma passagem do importante livro “H. Dobal – as formas incompletas”, da autoria de Halan Silva, que a seguir transcrevo: “Do lado paterno, em linha vertical, H. Dobal descende de José Alexandre Teixeira, que veio do Ceará para o Piauí, acompanhado de um irmão, na segunda metade do século XIX, provavelmente de Icó ou Missão Velha, onde assassinaram o padre da cidade que havia agravado a honra da matriarca da família, havia poucos meses viúva”. 

Nesse mesmo livro, na entrevista concedida a Halan Silva e a João Kennedy Eugênio, o poeta, com a sua verve contida, informa, ao falar de sua família, que o “Teixeira veio do Ceará. O Dobal veio da cabeça do meu avô”. Esse avô era filho de José Alexandre, um dos autores do desagravo, acima relatado.

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