domingo, 26 de fevereiro de 2012

rimance da baleia


Álamo Oliveira
Poeta angolano

estava dona baleia
a regar o seu jardim
com seu repuxo de prata
e sorriso de alfenim
quando o foguete estalou
lá do alto da vigia
anunciando a caça...
(que susto santa maria!)
dona baleia – coitada! –
logo parou de aguar
as algas que floriam
bem à tona do mar.
é então que a tristeza
o medo a aflição
saltam do cais dos olhos
aos ombros do coração.
um grito aberto se ouve
em eco de mar perfeito:
- baleia à vista! baleia!
pão-nosso de qualquer jeito!
e lá vai dona baleia
fugindo pra não morrer.
- deus a salve do arpão!
deus a queira proteger!

ai pobre dona baleia
como te custa viver!

mar manso todo rasgado
baba de espuma à quilha.
dona baleia procura
escapar da armadilha
que é o arpão voador
anjo de ferro esguio.
- foge foge meu amor
até às águas do frio!
só aí te sei segura
a regar o teu jardim
com o teu repuxo de prata
e sorriso de alfenim.
mas a canoa da morte
corre depressa demais.
daqui lhe aceno a vida
feito pedrinhas do cais.
e grito seu nome d'água
(seu matador quem será?).
- procura quantos te amam:
jonas deus iemanjá!
de nada lhe serve o grito.
nada mais posso fazer.
o arpão lá vai direto
no seu peito embater.

ai pobre dona baleia
como te custa viver!

morreu dona baleia
arpada de ódio velho.
todo o silêncio do mar
ficou tinto de vermelho.
gritam as garças ao vento.
os peixes choram também.
envolta em lençol de sangue
dona baleia lá vem
arrastada até o cais.
seu corpo esquartejado
nas caldeiras derretido
dá o pão amargurado.
e alguém há-de gravar
nos seus dentes de marfim
o barco que a perseguiu
o arpão que lhe deu fim.
no céu as aves e as nuvens
correm do sul para o norte.
sobre o mar e sobre a ilha
paira o silêncio da morte.
e há um poeta branco
à minha porta a bater.
não vou abri-la não vou!
já sei o que vem dizer...

ai pobre dona baleia
como te custa viver!

à costa como um poema
a desfazer-se na areia
vieram cinco marés
chorar a dona baleia.
duas choravam espuma
- branca nuvem de verão.
traziam como homenagem
um búzio em cada mão.
as outras duas chegaram
fracas de tanto chorar.
tanto sal nas suas lágrimas!
tanto sal e tanto mar!
a quinta maré não chora.
traz apenas no regaço
um grande ramo de algas
amarrado com um laço.
deixa-o deposto na costa...
de seguida reza e canta.
são cantigas de saudade
versos presos na garganta.
desfeitas são as marés.
eram cinco sois a arder
cinco talhadas da lua
que deus lhe quis oferecer.

agora dona baleia
já não lhe custa viver.

(*) Poema extraído da excelente revista Caderno de Literatura, publicada pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, na qual tive a honra de ter poemas publicados, em número anterior. Publiquei esse belo poema porque ele mostra até onde pode chegar a maldade e a covardia do ser humano.
Elmar Carvalho

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