quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



17 de novembro

A BELEZA E A DEGRADAÇÃO DA LAGOA DO PORTINHO

Elmar Carvalho

Aproveitando o feriado prolongado, uma vez que no âmbito da Justiça Estadual o Dia do Servidor Público, por necessidade de serviço, fora transferido para o dia 14 do corrente mês, atendendo desejo de Fátima, minha mulher, estive no litoral parnaibano. No sábado, pela manhã, fomos rever a deslumbrante Lagoa do Portinho, que já cantei em mais de um poema. Tendo ido morar na cidade de Parnaíba em junho de 1975, conheci-a pela primeira vez em 1977 ou 1978. Estava com o Reginaldo Costa na praia de Atalaia, quando ele propôs passarmos pela lagoa, no retorno a Parnaíba. Segui-o, cada qual em sua motocicleta.

Foi uma verdadeira magia ou encantamento o que senti, quando vi aquelas águas escuras, plúmbeas, como diria um poeta, vertidas aos pés daquelas alvas e altas dunas. Nessa época, só existia uma única e rústica churrascaria, quase uma palhoça, se não me falha a memória. Portanto, não existiam a churrascaria sofisticada e nem as edificações do SESI, e quase não havia casas no entorno, nem perto da estrada que a liga à BR. Nessa ocasião a natureza foi pródiga, e nos deu um caprichoso espetáculo. Quando chegamos, o sol estava esfuziante, a iluminar as dunas e as águas de chumbo da lagoa, provocando cintilações e sobretons. Mas logo começou a cair uma mansa chuva; o tempo esfriou de repente e escureceu, com o Sol obnubilado pelas nuvens prenhes d' água, cujas gotas despencavam sobre nós e sobre a terra, como uma bênção palpável de Deus.

Mas logo fez sol novamente, e a lagoa e as dunas voltaram a brilhar intensamente, na glória e no fulgor de sua beleza. Como disse, a natureza estava pródiga em seus surpreendentes caprichos, e mais uma vez choveu, para depois fazer sol mais uma vez. Estava a uma mesa, perto de nós, uma graciosa moça, no esplendor de sua formosura. Não era uma beleza longilínea, magérrima, como a das modelos de hoje, mas uma beleza mais arredondada, generosa, exuberante, aliciante, alourada, cheia de sinuosidades feminis, de muitos acidentes e recortes geomágicos/anatômicos. Seus olhos agateados, com a mudança de luminosidade, pareciam furta-cores, e eu nunca soube ao certo se eram mesmo verdes ou azuis, ou se eram um misto dessas duas cores. Apenas lhe admirei a beleza à distância, posto que não a conhecia, e a considerei parte integrante da magia e alumbramento da Lagoa do Portinho. Um poema a retratar essa tarde encantadora ficou a borbulhar e a marulhar em meu cérebro, durante anos, mas só fui escrevê-lo mais de duas décadas depois, sob o título de Mulher na Lagoa do Portinho.

A datar daí, passei a visitar a lagoa mais amiúde. Em 1982, quando fui aprovado, em concurso público, para o cargo de fiscal da extinta SUNAB (hoje eu seria auditor-fiscal da Receita Federal), comemorei essa conquista com o churrasco de um carneiro, tendo sido as cervejas patrocinadas pelo Canindé Correia, debaixo de frondoso cajueiro, na pequena floresta que se espalhava até perto da orla da lagoa, dando-lhe ainda mais graça e beleza. Participaram da comemoração, além de familiares, vários amigos, entre os quais, além do Canindé, estavam o Reginaldo Costa, B. Silva, Vicente de Paula (Potência), e creio que o Airton Meneses, todos integrantes do jornal Inovação, e mais outras pessoas que já não recordo. O cenário não poderia ser mais encantador: a lagoa, as dunas e a floresta. Em sua simplicidade bucólica, a degustação e a libação foram inesquecíveis, paradisíacas.

Hoje, para minha tristeza e consternação, constato que a lagoa está degradada. As dunas, que nunca passaram por um processo sério de contenção, assorearam o manancial de tal forma que um homem, em certas épocas do ano, pode atravessá-lo a pé, quando as águas outrora eram profundas. Por outro lado, as construções em suas margens, aos poucos, vão lhe roubando a beleza bucólica e selvagem, dos tempos em que a conheci, quase intocada, ainda no apogeu de sua beleza luxuriante. Ainda vislumbrei o que restava do antigo bosque, apenas uma pequena nesga de mato, cujas folhas acenavam ao longe, como um lenço verde da esperança, e algumas reses, que vieram matar a sede, e me fizeram retornar ao bucolismo dos tempos de minha juventude.

Dizem, mas não sei ao certo se a afirmativa é verdadeira, que o bombeamento de água para os criatórios de camarão também contribuem para a degradação ambiental da lagoa. Por outro lado, uma placa exibe o triste aviso de que a lagoa contém piranha, peixe voraz, de mordida mutilante, quando em tempos idos podíamos mergulhar em suas águas sem nenhum temor, exceto o desvanecedor e mítico receio/anseio de sermos atraídos e fisgados por alguma sereia forasteira ou nativa mãe-d'água ou iara, que nos levasse para seu reino encantado, para habitar seu castelo nas profundezas das águas plúmbeas da lagoa.


MULHER NA LAGOA DO PORTINHO

Elmar Carvalho

Na tarde antiga
de sol e bruma
de luz e penumbra
as dunas mudaram
de cores e formas.

Os belos olhos esplendentes –
pálidas cálidas opalas ou
esmeradas esmeriladas esmeraldas –
da mulher bonita
de sinuosas dunas e viagens
furta-cores furtaram
outros tons e sobretons.

Ainda guardo a memória viva
daquela tarde morna e morta
e ainda vejo aqueles olhos vivos
furtando furtivos cores e atenção.

E os olhos e as formas curvilíneas
permanecem intactos no tempo
que em mim não passou.

E a mulher, acaso passou,
nos escombros das formas
transitórias da beleza?...

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