domingo, 13 de março de 2011

MANUEL BANDEIRA REVISITADO


M. PAULO NUNES

Neste meu carnaval sem nenhuma alegria, como diria Bandeira, passado em casa, longe do bulício das praias e ouvindo apenas o som, não de cuícas e tamborins dos velhos carnavais que não mais existem, mas de tambores, bumbos e cantorias sensaboronas (onde estão as velhas marchas e canções de antigamente?) e aproveitei, como há muito não o fazia, para fruir um pouco a companhia de velhos amigos, os livros, sobra de um acervo que nunca diminui; como fazer parar a compulsão pelas velhas leituras? Reli assim o velho João Ribeiro, de cuja medalha sou injustificadamente detentor, através de generosa homenagem de amigos da Academia Brasileira, haurindo mais uma vez a sabedoria de suas Páginas de Estéticas (Livraria São José, 1963); de Josué Montello, em sua prosa diarística (Diário do Entardecer – 1967-1977 – Editora Nova Fronteira, 1991); ou relendo salteadamente o Bandeira de Estrela da Vida Inteira, contendo suas poesias reunidas (Livraria José Olympio Editora, 1970).
Neste último, desejaria deter-me um pouco e acentuar que mais uma vez deixei-me impregnar por um sentimento lírico e elegíaco feito de mágoa, solidão e desencanto que me traz sempre uma profunda melancolia, que não é tristeza, mas a desolação do sentimento de perda pelas coisas findas, que já nele está presente, desde sua estréia com A Cinza das Horas. Além do mais, o velho bardo é um dos mais genuínos poetas brasileiros que conheço, não apenas por aproximar-se da linguagem popular, embora seja ele ele um poeta erudito, como expressa em um de seus poemas mais libertários dos velhos cânones da língua, que é “Poética”, de seu livro Libertinagem.
“Abaixo os puristas / Todas as palavras sobretudo os barbarismo universais / Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis.”
A explicação para o fenômeno me ocorre encontrar em um passo, do autor de Os Tambores de São Luís, na obra já referida, quando se reporta à reforma estilística realizada por Guimarães Rosa para libertar-se dos cânones estéticos da língua tradicional, aos quais opõe a linguagem oral de seu livro de estréia – Sagarana “para surpreender, à luz de pequenas modificações estilísticas, o fiat genésico da explosão verbal que ocorrerá dez anos depois, com a publicação de Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile”, segundo sua próprias palavras. Mais tarde, desenvolveremos melhor este assunto.
Para finalizar, vejamos, a seguir, dois momentos da arte poética de Bandeira, o primeiro deles, na forma tradicional, ou clássica em que era exímio, no caso, o famoso soneto “Peregrinação”, de transbordamento lírico, de seu livro Estrela da Tarde; e o outro, “Consoada” sobre a presença da morte, uma constante em sua alta poesia, de um de seus últimos livros, Opus 10, já na nova estética pós-moderna.

PEREGRINAÇÃO

Quando olhada de face, era um abril.
Quando olhada de lado, era um agosto.
Duas mulheres numa: tinha o rosto
Gordo de frente, magro de perfil.

Fazia as sobrancelhas como um til;
A boca, como um o (quase). Isto posto,
Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto
De me lembrar, que são tristezas mil.

Eis senão quando um dia... Mas, caluda!
Não me vai bem fazer uma canção
Desesperada, como fez Neruda.

Amor total e falho... Puro e impuro...
Amor de velho adolescente... E tão
Sabendo a cinza e a pêssego maduro...
(Ob. Cit., p. 244)

CONSOADA

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Ob. Cit., p. 221)  

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