quarta-feira, 23 de março de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


23 de março

FIM DE CASAMENTO

Elmar Carvalho


Perguntando eu, hoje, a um homem de mais de sessenta anos de idade se ele era solteiro, contou-me que fora casado, em sua juventude, mas durante menos de vinte e quatro horas. Revelou-me que ao constatar que fora enganado pela mulher, a devolveu a seu pai. Fazendo-me de um tanto ingênuo, disse-lhe estranhar como essa traição poderia ter ocorrido nesse curto espaço de tempo, “em plena lua de mel”, como na bela letra da música de Alceu Valença. Esclareceu-me que a traição fora o fato de ela não lhe ter revelado, anteriormente, não ser mais virgem. O homem a interrogou, e ela acabou por lhe confessar já ter tido outras experiências sexuais.

Acrescentou-me ele que sua mãe, ao saber do fato, ponderou-lhe que tudo poderia ser apenas um erro proveniente da juventude dela, que poderia não mais se repetir. Ele disse à mãe que nessa oportunidade conseguiu se controlar, e por isso não cometera nenhuma violência contra a mulher, mas, em outra ocasião, não saberia dizer se conseguiria conter-se. A mãe, então, falou que ele fizesse o que achasse melhor para si. Embora pedindo desculpas, indaguei-lhe se ele, ao constatar que a jovem não era mais virgem, havia interrompido o coito. Sorriu, e me disse que era homem, e que, portanto, tivera de concluí-lo, talvez, suponho, para acalmar-se e tomar uma atitude de maneira mais ponderada. Tinha ele 25 anos e a mulher, 16.

O certo é que ele não aceitou a mulher, devolvendo-a a seus pais, mal (ou bem) comparando, como se ela fosse uma mercadoria com defeito oculto ou vício redibitório. Na verdade, nessa época, as mulheres se conservavam virgens até o casamento, e poucos homens aceitariam casar-se com uma mulher que não fosse donzela, exceto se fosse o próprio nubente o autor do defloramento. O próprio Código Civil de 1916 permitia a anulação do casamento, conforme o seu art.218 em combinação com o 219, IV, ao estampar que era anulável o casamento quando “o defloramento da mulher” fosse “ignorado pelo marido”. Mas houve casos em que o marido repudiou a mulher, embora fosse ele o responsável pela defloração, sob a alegativa de que ela não deveria ter cedido às suas súplicas e insistências; que se cedera com relação a ele, poderia entregar-se aos caprichos e seduções de outrem, no futuro, ainda mais porque já não existiria a película denunciadora.

No final da conversa, fazendo uma analogia entre as ponderações de sua mãe, para que desse nova oportunidade a sua mulher e a perdoasse, lembrei-me de uns versos do grande poeta Hermes Vieira, que tem poemas magistrais na vertente popular e na temática sertaneja, que lhe citei de forma livre, parafraseada, já que faz muitos anos que os li pela derradeira vez. O poema conta o caso de um jovem que constatou haver se casado com uma mulher já deflorada. Na manhã do dia seguinte às núpcias, foi aconselhar-se com o pai, sobre o seu desejo de restituir a mulher a seu pai. Após elogiar muito a própria mãe, acrescentou que feliz era ele, seu pai, que se casara com uma mulher direita, séria, honesta, que sempre o respeitara. O pai, nos versos do poeta, que cito livremente, apenas de memória, disse ao filho angustiado: “Meu filho, vê se você se acoita, / Na mulher se bota um frei, / é melhor você ficar na moita, / Do jeitim que eu fiquei”. O homem sorriu, conquanto fosse este o mesmo conselho que lhe dera sua mãe, em sua distante juventude.

Nenhum comentário:

Postar um comentário