terça-feira, 21 de setembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO



21 de setembro

A SOMBRA, O ENCOSTO, A BELEZA E O FRUTO
Elmar Carvalho

Num determinado local de Teresina, entre curioso e perplexo, observei, com a ajuda de minha mulher, que uma senhora, sem carro e sem garagem em sua casa, colocara umas grandes e pesadas pedras na rua, sobre o asfalto, de modo que tive que parar meu veículo antes de sua casa, o que me impediu de usufruir a sombra da árvore que havia sobre a calçada. Não foi difícil concluir que ela se incomodava com o fato de que alguém pudesse se beneficiar com a sombra de sua bela amendoeira. Não podendo ela impedir que alguém contemple a beleza verde, elegante, esgalhada do vegetal, impede, agredindo a postura municipal e o Código de Trânsito, que alguém ponha seu carro à sua sombra refrescante. No seu egoísmo, certamente ela entende que a pessoa estaria tirando proveito indevido do que ela acha ser seu, como se ela pudesse ficar mais pobre com esse fato. Por que, então, ela não colhe a sombra da amendoeira e armazena no seu depósito ou dispensa para vendê-la, já que Teresina, tão quente, tão ensolarada, seria propícia à comercialização de sombra? Será se isso é fruto da inveja, já que ela não tem carro, e por esse motivo fica chateada que alguém ponha seu automóvel à sombra de sua árvore. Suponho que se ela não pudesse colocar as grandes pedras, terminaria por cortá-la, exterminando com suas machadadas a beleza e a sombra da amendoeira. Se ela fosse condenada a se transformar em árvore, acredito que escolheria ser um mandacuru, que não dá sombra nem encosto. Não, talvez ela preferisse ser um arbusto seco e espinhento da caatinga, porquanto um mandacaru nos enternece com a sua beleza insólita e espinhenta, e ela, certamente, nada deseja conceder, nem mesmo a beleza que porventura pudesse ter.

O egoísmo dessa mulher é árido, inútil, uma vez que nenhum proveito ela tira de seu gesto, a não ser a satisfação subjetiva de sua própria mesquinhez. Talvez seja amarga, cheia de ressentimentos contra tudo e contra todos. A sua atitude me fez lembrar, por contraposição, de uma lenda árabe, que desejo repartir com meu eventual leitor. Um velho estava plantando uma árvore que só frutificava após décadas. Um sultão, que ia passando, admirou-se daquele gesto de desprendimento ou de loucura, e indagou ao ancião o motivo que o levava, em sua provecta idade, a cultivar aquela morosa fruteira. O velho respondeu-lhe que não estava plantando para si, mas para os outros, para seus filhos e seus netos; que se outros não tivessem feito anteriormente o que estava a fazer ele também não teria degustado tão saborosos frutos. O potentado, boquiaberto com a resposta, deu ao homem uma vultosa soma em moedas de ouro. O ancião, levantou as mãos e o olhar para o alto, e agradeceu a Deus pela dádiva, e o bendisse porque a árvore, mesmo antes de nascer, já lhe estava dando frutos. Como eu gostaria que essa senhora, que tenta impedir a sua árvore de ser generosa, de acolher os outros com o refrigério bendito de sua sombra, pudesse recolher em sua alma a lição desse velho tão sábio na simplicidade do seu gesto de plantar uma árvore, para que os pósteros pudessem fruir do mesmo prazer que ele desfrutara.

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