sexta-feira, 30 de julho de 2010

DUAS OU TRÊS COISAS QUE VI POR AÍ

PAULO JOSÉ CUNHA

1) O mundo mudou, o perfil das pessoas que andam de avião também. Conheço um velho jornalista que ainda cultiva o hábito de vestir terno e gravata pra viajar de avião, porque era assim no passado: viagem aérea era um fato tão raro que exigia traje a caráter, em respeito à distinta companhia de endinheirados que podiam pagar o elevado preço das passagens. Hoje, o que mais se vê é gente de sandálias de dedo, bermudas e camisetas tipo regata circulando pelos aeroportos. Enquanto isso, ao folhear as revistas de bordo, verifica-se que os anúncios ainda são de marcas de produtos altamente sofisticados, caros, que só podem ser adquiridos por uma restrita minoria. Aquela minoria que lá no passado envergava traje fino para entrar num avião. Das duas uma: ou os anunciantes perderam o foco e estão gastando dinheiro a toa, pois usam munição pesada pra matar passarinho ou pretendem despertar a cobiça do público de renda mais baixa recém-chegada ao tráfego aéreo até faze-lo sucumbir às tentações dos anúncios dos produtos chiques. Se tivesse que escolher, ficaria com a primeira hipótese. E acrescentaria que as grandes marcas continuam anunciando nessas revistas por inércia, não por resultado. Devem estar tendo prejuízo.

2) “O sol nas bancas de revistas me enche de alegria e preguiça”. O verso da canção famosa de Caetano remete a uma realidade nova, que chegou pra ficar: o jornal da banca, jornal de papel, esse que suja os dedos do leitor, está acabando. E se transformando num monte de bytes que recobrem as telas dos computadores. O Jornal do Brasil já não circulará mais em papel a partir de setembro. Num out-door em Buenos Aires li o seguinte: “O jornal que você compra nas bancas só traz notícias de ontem”. Era a propaganda de um site ou blog, nem me lembro mais. O certo é que o velho formato – o empacotamento das notícias em edições diárias – cede cada vez mais espaço à notícia do instantâneo, em real time, que não precisa ser entregue diariamente, mas sim durante todo o dia, toda a noite e toda a madrugada, no momento em que ocorre. Jornais e revistas – eletrônicas, veja bem – futuramente irão concluir que seu papel (sem trocadilhos, por favor) é muito mais o de analisar e dar sentido aos acontecimentos do que o de noticiá-los em edições fechadas. Notícia engarrafada não vende mais. E é impossível engarrafar uma cachoeira que não pára de jorrar.

4) Um homem armado com duas pistolas, em Pilar, Buenos Aires, manteve 40 pessoas como reféns durante cinco horas, dentro de uma agência do Banco de la Nación, até se entregar à Polícia. Não houve vítimas. Mas enquanto mantinha os reféns sob a mira das armas concedeu entrevista ao canal de televisão C5N. Eu estava no hotel na hora da entrevista, concedida ao âncora da emissora, e transmitida ao vivo. Entrevista longa, generosamente repetida ao longo da programação. Aqui, quando do seqüestro de Eloá e Nayara, a jornalista Sônia Abraão, da Rede TV, entrevistou o seqüestrador ao vivo, interferindo nas negociações. Especialistas como Laurindo Leal Filho, apresentador do Ver TV, da TV Câmara, condenaram a interferência, considerada inconstitucional. Não soube de qualquer condenação dos órgãos de representação dos periodistas argentinos à atitude do âncora da C5N. Pelé é melhor que Maradona, isso todo mundo sabe. Mas o sensacionalismo deles é melhor do que o nosso, e muito mais bem aceita, temos de reconhecer.

Um comentário:

  1. Nota 10 para as sacadas do Paulo, com os três tópicos sobre o avião, o jornal e a cobertura da TV. No caso específico do jornal, devo dizer que, como profissional da Comunicação, iniciei a carreira no velho jornal "que suja as mãos" e, até hoje, guardo belas recordações dessa época (uns 25 anos atrás). Hoje, estou na mídia eletrônica e concorda com a observação pertinente do Paulo: é impossível engarrafar uma cachoeira que não pára de jorrar.
    Ah, sim... Sobre a revista de bordo, sem dúvida, é incompreensível como as empresas investem nesse tipo de marketing. Ademais, são publicações caríssimas, mas bem feitas.
    Antonio de Souza
    Jornalista de Campo Maior que "adotou" Cuiabá e Mato Grosso.

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