sábado, 19 de junho de 2010

FUTEBOL E CONSTRANGIMENTO

CUNHA E SILVA FILHO



Até hoje não sei explicar direito por que nunca fui dado a torcer por times de futebol, logo este o mais amado esporte brasileiro a ponto de se confundir com a própria imagem do país aqui ou além-mar. Em geral, gente do meio literário dificilmente não estima este “esporte das multidões”. Vários são os exemplos: Nelson Rodrigues, o pai e o filho, Tristão de Athayde, José Lins do Rego, um grande torcedor e muitos e muitos outras figuras da cultura brasileira.
Desnecessário dizer que a bola fascina multidões e individualidades. É algo impregnado na consciência do nosso povo que, junto com o samba e o carnaval, formam o tripé dos admiradores de nossas manifestações culturais mais arraigadas no quotidiano das pessoas em todos os níveis sociais. Chega mesmo a ser aquele ‘catalisador” de que nos fala Tristão de Athayde.
As origens do futebol remontam ao século III, na velha China. No Brasil, tem origem nobre e estrangeira, pois foi para aqui trazido por Charles William Miller (1874-1953), nascido em São Paulo, filho de escocês e mãe brasileira, mas de ancestrais ingleses Era, pois, primeiro um esporte praticado pelas classes elevadas, porém se disseminou e se consolidou nas camadas pobres da sociedade brasileira. Não há como sonega um dado primordial r o futebol encanta, em suas linhas gerais, os indivíduos e, entre nós, há um forte elo de natureza lúdica entre esse esporte e a fase de nossa primeira infância. Na adolescência, nem se fala, pois é aqui que a ubíqua bola conquista a simpatia dos jovens, muitas vezes transformando estes em grandes torcedores dos diversos times , quer em nível nacional, quer em nível regional.
Quem não aprecia dar uma bola de futebol pra uma criança? Que criança recusaria uma bola como presente? Nenhuma. Em casa, na rua, na calçada, nos descampados, nas quadras esportivas, não faltam crianças e jovens batendo uma bola. Daí a popularidade deste esporte. Daí seu atrativo. Daí ainda ser um tópico de conversação excelente pra entabular uma conversa com um estranho ou com alguém conhecido muito mais forte do que iniciar uma conversa com um inglês sobre a condição atmosférica.
Certa vez, numa colônia de férias fiquei isolado de um grupo de associados porque dissera que não sabia jogar futebol e, por não aceitar jogar uma pelada com eles, quase brigaram comigo.
Confesso que o futebol nunca me fez vibrar como torcedor dos chamados campeonatos regionais ou nacionais. Por algum tempo, andei inventando que era flamenguista só para evitar a pressão de grupo. Ou melhor, era uma forma de eu me manter socialmente simpático com os outros, porquanto os sabia doentes pelos seus times e alguns atingiram as raias do fanatismo.
Tive um amigo professor de português e literatura que era doente mesmo pelo fluminense. Mas, essa condição de torcedor o ajudava enormemente a manter uma boa disciplina escolar com seus alunos, visto que nada melhor para o relacionamento entre ele e as turmas do que levantar o tema do futebol com seus alunos. Assim fazendo, conquistava didaticamente a atenção e o apoio do seu alunado. Eu, que não dado a esse esporte, tinha que usar outros expedientes menos aliciantes para captar a adesão dos jovens para a minha causa - poder ministrar minhas aulas sem quebra do manejo de turma.
Havia, porém, uma exceção ao meu absenteísmo concernente ao grande esporte da brasilidade.Era por ocasião das Copas Mundiais. Aí sim, me descobria na condição de torcedor, não dos simples tradicionalismo dos campeonatos brasileiros ou regionais, mas de componentes psíquicos que vinham à tona e só Freud explicaria ( ou não explicaria). De repente, o evento mundial me mudava o comportamento. Até alguém poderia dizer que ali estava um torcedor, desses fanáticos que vibram, gritam, pulam e choram com a vitória dos seus times.
A coluna de esportes dos jornais – que nunca praticamente lia - já me interessava . Me transformava, lia sobre a programação dos jogos, os dias, as horas, o local, os times adversários. Lia também sobre a biografia dos nosso jogadores, dos jogadores estrangeiros. Assistia a programas na TV sobre debates de futebol. Tudo me era necessários saber. E não estou ainda falando dos dias em que nosso país jogava com os adversários estrangeiros. Não me reconhecia, pois pulava, gritava, me indignava, xingava os gringos, comovia-me com os grandes dribles de Rivelino, de Tostão, de Zico. Enfim virava “brasileiro”, virava torcedor, virava fanático. Eita esporte danado de bom! E, assim, o grande catalisador me ganhava por inteiro. Viva o nosso futebol! Viva o Brasil! Nas minhas aulas, chegava ao cúmulo de discutir fanaticamente pelo nosso futebol, pela nossa seleção com tanta vibração que mais parecia uma grande torcedor do esporte.
Hoje, não estou vibrando tanto pelas nossas seleções. Até isso tiraram do meu pobre e frágil modo de sentir a grande arte da bola. Não consigo dissociar a prática do futebol com o componente capitalista em que ele se viu transformado. Esse é o meu nó górdio da questão e que explica a minha quase aversão ao assunto. A verdade, leitor, é que o grande esporte foi assimilado pela engrenagem ideológico-capitalista, transformando o que era simples, espontâneo, amor à bola, em matéria-prima do mercantilismo, num intrincado cipoal de bastidores e de vias subterrâneas que seria difícil elucidar, sobretudo agora que não tenho mais a chama olímpica de torcedor bissexto de Copas Mundiais. O exacerbado matrimônio entre o jogador e o vil metal embaralharam o meu tênue fio de torcedor de Copas. Há no ar um pesador clima de desordenada e injustificada mitificação de uns poucos e desleal divisão dos louros. Não gosto disso e, por isso, o melhor pra mim é o recolhimento e prudência de vibrar nas Copas com uma certa fleugma inglesa sem grandes estardalhaços nem saudosas alegrias nascidas da pureza dos dribles geniais de um Garrincha ( “alegria do povo”) ou de assemelhadas grandes figuras brasileiras de um esporte no qual o que importava eram as jogadas magníficas de nossos velhos craques tão distantes dos gramados enxovalhados por moedas milionárias e coisificados troca-trocas de bons jogadores a serviço de um cartolismo internacional cooptando mesmo aqueles outrora bem-intencionados craques nacionais. A carne é fraca e o dinheiro é forte.
Isso, por linhas tortas, explicaria porque não vingou em mim o sentimento de amor incondicional, sopitado que ficou numa relação ambígua de aversão e amor, como também justificaria porque não me tornaria jamais aquele torcedor alegre e descontraído gritando das arquibancadas dos meus sonhos no sexagenário Maracanã.

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