quarta-feira, 5 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


5 de maio

CORES, FLORES E DOLORES

Nesta manhã, a caminho do fórum, reparei num pé de lírio, nascido no pequeno jardim de uma casa simples, de esquina. A copa da pequena árvore se transformou em puras flores, de alvura imaculada. Flores níveas, pequenas, de quatro pétalas. Em seguida, perlonguei o muro da casa do advogado Gilberto Nunes, recentemente falecido. É quase uma chácara, em pleno centro comercial e histórico de Regeneração. A residência fica no centro do terreno, do tamanho de um quarteirão, rodeada de árvores diversas, várias frutíferas, entre as quais um pernalta e esgalhado jenipapeiro; algumas, grandes e copadas. Sobre o muro vetusto, de tijolos aparentes, se debruçam arbustos ornamentais, a derramar suas belas flores, de coloração e feitios diversos, como um presente aos transeuntes, que muitas vezes sequer reparam na beleza desse pequeno jardim botânico, no coração da cidade. Essa vivenda, referta de plantas ornamentais, como madressilvas, buganvílias, margaridas e flamboyants é uma catilinária florida e contundente ao poema de Cesáreo Verde, utilitarista, a cantar com entusiasmo as árvores exclusivamente frutíferas da quinta. Os lírios miúdos me fizeram lembrar os grandes lírios de São José, que conheci na minha meninice, em José de Freitas. De suas grandes taças era exalado um suave, porém embriagante perfume, que deixava siderados os poetas simbolistas, a cometerem seus versos melódicos, sugestivos, cheios de brancuras liriais, de níveas brancuras nebulosas, que lhes faziam sonhar com as peles alvas de monjas ciliciadas, e com castas donzelas inalcançáveis em suas torres ebúrneas, ou com fogosas damas, na consumição de desejos interditos. Os lírios me fizeram lembrar o caramanchão da casa do professor Lima Couto, em Parnaíba, com quem tantas vezes conversei sobre poesia, cultura e educação, em minha juventude sonhadora. O velho mestre era um poeta bissexto, admirador de Longfellow, cujos versos traduzira de forma admirável, pois fora professor de inglês. Fora também livreiro e diretor de colégio público. Admirava, creio, o ex-governador Chagas Rodrigues, sobretudo porque ele, numa administração avançada para os padrões da época, com a implantação do planejamento e da criação de empresas públicas, estadualizara o Ginásio Parnaibano. Os lírios, as flores e os cheiros me fizeram viajar no tempo e no espaço, e eu retornei ao país de minha infância, e senti o cheiro forte dos alecrins pisados na procissão do Senhor dos Passos, em que eu me comovi demasiadamente com o seu sofrimento, com o sofrimento de sua mãe, na cerimônia do encontro, em que a púrpura e o roxo das vestes era a própria exteriorização dos corações lacerados, das chagas vivas das lanças e dos cravos.

Um comentário:

  1. Caro Elmar:
    "Cores, flores e dolores" é crônicxa belíssima, entumescida de vozes poéticas, sobretudo as simbolistas, as cruizouzianas, ou aquelas que de longe repercutem nos s nossos ouvidos democraticamente abertos à poesia, cuja função primeira é doce e inebriante fusão dos sons, ritmos, melodias e imagens que explodem para todos os lados, numa reveraberação que tudo mistura e tudo encanta. Poesia para contentar as emoções, as nossas fibras onde se congregam todas as sinestesias do mistério da poesia, porque a poesia é mesmo um mistério, muitas vezes resistente a especulações hermenêuticas - coisa para se sentir como o fazemos ao ouvirmos uma música seja de que nível for, seja de que sofistação for, não só pelos sons que falam, dizem , comunicam numa língua que é de todos - os sons musicais - tornados composições que atravessam as fronteiras linguísticas e povos diversos, que nunca, porém, deixam de tocar o coração dos homens sem tempo definido nem espaço, já que pertence ao Universo e, portanto, à eternidade.
    Cunha e Silva Filho

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