sexta-feira, 30 de abril de 2010

A MORTE E A CEGUEIRA DE KETY



Chagas Vieira, no Salão do Povo

30 de abril   Diário Incontínuo

A MORTE E A CEGUEIRA DE KETY

Elmar Carvalho

Fui cortar as minhas cada vez mais ralas e raras madeixas com o irmão maçônico Chagas Vieira. Desde 1971, ele exerce sua atividade em Teresina. Conheço-o desde a segunda metade da década de 1980, quando eu trabalhava na extinta SUNAB. Ele trabalhava no Salão Piauí, pertencente ao senhor Felinto Lima, já falecido. Em 1998, fundou seu próprio estabelecimento, o Salão do Povo, situado na rua Rui Barbosa, 441, perto do antigo supermercado São Gonçalo, onde hoje funciona um templo da Igreja Universal. 

Durante alguns anos, ausentei meus cabelos de sua tesoura e navalha, por mudanças de hábito e circunstâncias. Há alguns anos, voltei a integrar sua clientela. Antes de adotar posição estática, para ele melhor exercitar as suas habilidades de escultor capilar, pedi-lhe que me repetisse a história de sua cadelinha. Chamava-se Kety e era uma pequinês, pequenina, peluda e de brancura imaculada. Quando Chagas saía para o trabalho, ela o acompanhava até a porta da rua. Ficava triste, aguardando o seu retorno, quando ia esperá-lo à porta, e ficava se achegando a ele, até ser colocada no colo.Tinha muito amor a seu dono, e a recíproca era verdadeira, na mesma intensidade. A cadelinha chegava ao ponto de comer no mesmo prato dele, com a sua cúmplice permissão complacente. Teve longa vida, para os padrões caninos. 

Aos dezessete anos cegou, primeiro de um olho e logo em seguida do outro. Com a cegueira, a cachorrinha, por alguma espécie intuitiva de pudor, ou por receio de incomodar seus donos ou por simples higiene, passou a se esgueirar pelas paredes, como tateando, em busca de alguma saída para fazer suas necessidades fora da casa. Numa dessas buscas, saiu para a rua, quando foi tragicamente colhida pelas rodas de um carro, que lhe esmagou a pequenina cabeça. O irmão Chagas providenciou-lhe o enterro, no quintal da residência. Mas pela casa ainda vaga a lembrança e a saudade de Kety, que se mantém viva na retentiva amorosa de seus donos.

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